quarta-feira, 22 de agosto de 2007

On the road

"A mensagem essencial de Whitman era a Estrada Aberta. Deixar a alma entregue a si mesma, depositar o seu destino nas mãos dela e nas da miragem da estrada aberta. O que constitui a doutrina mais corajosa que o homem propôs a si mesmo."

Assim citou Henry Miller as palavras de D.H. Lawrence sobre Walt Whitman, poeta transcendentalista americano do século XIX. Citações de citações de citações... este blog está a transformar-se numa pequena biblioteca de babel. Não vou divagar sobre os méritos do autor de Song of Myself e Leaves of Grass, celebrizado por um filme muito apreciado, especialmente por docentes universitários encarregues de formar futuros professores que de volta e meia o mostravam nas suas aulas, pregando o credo romântico da educação às pouco exigentes audiências de futuros docentes em treino. Até porque prefiro Thoureau, o semi-eremita que construiu a sua cabana na lagoa de Walden e escreveu a mais bela elegia à alma humana que é, precisamente, Walden.

Se bem que quem considera que o Clube dos Poetas Mortos é uma epítome educacional esquece que entre Dartmouth e a Quinta do Mocho os paralelos são inexistentes. Estas concepções românticas, infelizmente, influenciam muito o pensamento educativo, o que ajuda a explicar o desnorte que se vive no sistema educativo, especialmente em tudo o que tem a ver com o que é que se espera do sistema educativo. Mas, adiante.

A estrada aberta é a metáfora perfeita para o libertar de amarras, o pegar no destino com as nossas próprias mãos, o estabelecer do nosso destino final. Mas não é preciso estar On The Road, nesse espírito vagabundo de Jack Kerouac (ou de Bruce Chatwin e Luis Sepúlveda), a marcar quilómetros e a percorrer caminhos mais ou menos ínvios. A mais libertadora das estradas é a interior, a que conduz o nosso livre espírito.

No entanto, com tanta pressão e empurrão, quais de entre nós têm realmente coragem e possibilidade de seguir a sua própria estrada? Não desanimemos; certamente que dentro de todos nós há uma faísca de liberdade individual, se seguir o seu próprio caminho, à revelia das pressões do peso do mundo. Porque se essa faísca não houver, a nossa humanidade desvaneceu-se. Creio que não precisamos de nos retirarmos do mundo e ir habitar cabanas à beira de lagos isolados no meio do arvoredo para manter a faísca da Estrada Aberta; mas extinguir a faísca é a morte da alma.

(How metaphysical of me. Mais dia menos dia ando a citar Heráclito... eu, que sempre me identifiquei mais com Diógenes...)

Já que estou com a mão no teclado e a ligação ao vasto cérebro digital activa, aqui ficam algumas palavras mais, palavras registadas na mente colectiva pela sua beleza.

"Only that day dawns to which we are awake. There is more day to dawn. The sun is but a morning star."

Um toque de Thoreau, precisamente retirado de Walden. Saboreiem a frase, deixem-na enrolar-se na língua.

E esta, caros e pacientes leitores, é a primeira frase de A Biblioteca de Babel, pérola entre as pérolas que são os contos de Jorge Luis Borges. Mais uma para, simplesmente, saborear.

"O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas."