domingo, 22 de julho de 2007

Albion



International Superheroes
In The Fifty-Pee Box | An Albion Website
Comicon | Albion

Alan Moore, Leah Moore, Jonh Reppion, Shane Oakley, George Freeman, Albion, DC Comics/IPC/Wildstorm, 2007

Os fãs de banda desenhada costumam dividir as suas lealdades. Por um lado, olham para o golorioso formato comic, de origem americana, com as suas histórias em permanente continuidade mensal. Se bem que aparentemente limitados às histórias tipicamente adolescentes de super-heróis sempre em luta contra abomináveis ameaças, o comic é algo muito mais abrangente, que reúne uma série de experiências clássicas, objectos de culto a roçar o camp (ou então perfeitamente kitsch) e, nos últimos tempos, graças ao surgir da graphic novel, uma forma privilegiada de cruzar literatura com banda desenhada. Por outro lado, temos o formato clássico europeu, auto contido no album de banda desenhada, cujas personagens podem evoluir ao longo de vários albuns, quando muito publicados prancha a prancha em revistas especializadas. Há também aquele toque de guerrilha cultural, com os apologistas da cultura anglo-saxónica (o comic) a degladiarem-se com os sequazes da francofonia (o album). Mas não entremos nesses campos.

De qualquer forma, o simples citar de personagens como Batman, Asterix, Super-Homem, Spirou, Capitão América, Tintin, Liga da Justiça, Passageiros do Vento, Wonder Woman, Jonh DiFool, entre tantos, mas tantos outros possíveis, ressoa até na mente daqueles que não se interessam pela oitava arte. Para os amantes da BD, a memória enche-se de agradáveis recordações de momentos passados mergulhados no mundo quadriculado das páginas, lendo obras que percorriam o espectro do interessante ao divertido. Do policial tenebroso e super-heróico de Batman, dependente sempre da ambiência trágicamente obscura, ao puro surrealismo das aventuras de Jonh Difool na Garagem Hermética. Da iconografia vagamente nacionalista do Capitão América à puerilidade complexa das aventuras do repórter com aquela onda no cabelo, sempre acompanhado pelo fiel Milú (agora falha-me a memória... Milú era cão, ou cadela?), o rigor da reconstituição histórica aliado ao humor de Asterix... enfim, se me pusesse aqui a citar exemplos nunca mais daqui saíria. Por vezes, temos de saber parar.

O mundo da BD não vive desta dicotomia. Se os comics e os albuns são prevalentes, há outras formas de publicar e ler BD. A internet, com os webcomics a misturar a animação com o desenho, a saltar fronteiras, é onde podemos olhar para as experiências contemporâneas e tentar vislumbrar o futuro. No mais clássico meio da obra impressa, os manga são aquele estranho caso de sucesso a recordar que outras culturas têm outras formas de ver a banda desenhada. E depois temos os comics esquecidos, os personagens caídos no esquecimento, as editoras falidas que levaram consigo catálogos de personagens queridos pelos fãs.

Se nos desafiarmos a pensar em personagens de BD, a lista é infindável. Mas se há nomes conhecidos de todos, quem é que se recorda de personagens como Captain Hurricane, Kelly's Eye, The Spider, Robot Archie, Cursitor Doom, Grimly Feendish, Mytek, The Steel Claw? Uma dica: encontrei-os pela primeira vez nos longínquos anos 90, através de uma edição especial do comic britânico 2000 AD (responsável pela continuidade do infame mas divertido Judge Dredd).

A banda desenhada inglesa é bem conhecida, não tanto pelos seus personagens originais (excepção feita ao fascismo futurista de Judge Dredd), mas pelos seus criadores, muitos dos quais a trabalhar para editoras americanas e a criar aí as suas melhores obras. Podemos citar Brian Bolland e Dave McKean como dois ilustradores de excelência, mas a peculiaridade literária da língua inglesa com sotaque britânico catapultou, com mérito próprio, argumentistas como Alan Moore (incontornável), Neil Gaiman (viciante), Warren Ellis (a roçar o escatológico) ou Garth Ennis (escatológico, ponto final) para os píncaros da qualidade literária do género. Quando pegamos em obras com argumento destes autores, sabemos que nos espera sempre uma leitura interessante, viciante, provocadora.

A primeira influência destes autores britânicos, por eles assumida, foram os comics que liam enquanto crianças e adolescentes. Entre o muito que liam, entre as edições importadas dos EUA e as reedições locais da Marvel e DC Comics, liam também as aventuras da bizarra galeria de personagens dos comics britânicos. Com especial incidência nas décadas de 50, 60 e 70, as editoras britânicas apostaram muito na banda desenhada, criando uma galáxia de personagens na altura famosos e amados, mas depressa esquecidos sempre que as antologias de BD deixavam de ser publicadas quando as editoras singravam por caminhos mais lucrativos.

Os comics britânicos dessa época têm qualquer coisa de diferente. São culpados de um certo simplismo, devido não só à temática como também à forma de publicação, em antologias semanais que coligiam aventuras de muitos personagens, forçando os argumentistas a desenvolverem histórias muito curtas. Mas os personagens não se enquadram bem naquela dicotomia bem/mal sempre presente no género. Ou eram, então, simplesmente bizarros. É intrigante ler as aventuras de personagens como Robot Archie (aventuras para rapazes de dois rapazes e o seu british battling robot, The Spider (imaginem um Batman assassino e criminoso, um perfeito anti-herói e a mais marcante personagem da BD britânica), Cursitor Doom (comparável a um tenebroso Dr. Estranho, personagem que se move nos campos místicos), Steel Claw (uma mistura de detective, assassino e agente secreto capaz de se tornar invisível excepto pela sua mão de aço), Kelly's Eye (um homem indestrutível, graças à joia que enverga ao peito, o olho de Zoltec), Captain Hurricane (super-soldado especializado em espancar divisões inteiras de soldados nazis, especialmente se nas garras de uma das suas ragin' furys) ou o estranhíssimo Dolmann (um construtor de marionetas que combatia o crime com as suas marionetas, que graças aos seus dons de ventríloquo dotava de discurso próprio, o que não impedia as marionetas de discutirem com o seu criador ou agir sem o seu conhecimento, pormenor capaz de pôr em causa a sanidade do personagem ou, pelo menos, de quem a criou). Não é o heroísmo nietzschiano à mistura com estranhos poderes do comic americano; não é a puerilidade das aventuras franco-belgas. É algo de bizarro, inquietante, ou outras vezes puramente ridículo.

Tudo isto para introduzir Albion, uma edição da DC Comics que recupera os clássicos personagens britânicos. A intenção é clara, despertar a curiosidade para reedições das bandas desenhadas clássicas ou para novas encarnações dos personagens. Apesar disso, Albion tem o envolvimento de Alan Moore, o que lhe garante alguma qualidade, embora Moore esteja mais envolvido no delinear da história e personagens, ficando o desenvolver da história a cargo da filha, Leah Moore, e de John Reppion. Mais interessante são as ilustrações, modernas e estilizadas, de Shane Oakley e George Freeman. Alan Moore, recorde-se, não é estranho a estes revivalismos: note-se o seu trabalho com o Monstro do Pântano, personagem da DC Comics, para o qual Moore fez reviver inúmeros personagens esquecidos do panteão clássico da DC.

Albion utiliza uma premissa que não é novidade em comics: nos tempos presentes, não existem herois, tendo estes sido perseguidos e detidos, ou então ocultando-se nas margens da sociedade. Albion é uma viagem de descoberta dos velhos personagens, através da busca que a filha de um dos personagens clássicos e um fã incondicional fazem, que os leva à prisão onde estão detidos os heróis e anti-heróis clássicos. Albion passa-se em dois espaços, nas ruas inglesas, onde os verdadeiros heróis das histórias encontram aqueles que se ocultaram do longo braço da lei, e na prisão ultra-secreta onde estão encerrados e esquecidos os velhos heróis. O final termina o livro com uma libertação, quais génios soltos da lâmpada. Desculpem revelar o final, mas vem apenas sublinhar a intenção de reviver estes personagens.

Albion é uma leitura nostálgica, que vale por si só, mas torna-se mais interessante quando contextualiza os personagens na história editorial e ao inclur algumas das histórias clássicas. Leitura recomendada para aqueles que gostam de descobrir coisas novas, ou redescobrir coisas esquecidas.