sexta-feira, 8 de junho de 2007
To Dare & To Conquer
Derek Leebaert , To Dare & To Conquer, Back Bay Books, 2006
Armchair General | To Dare and To Conquer
As forças de operações especiais revestem-se de uma muito própria aura de secretismo e excelência que desperta curiosidades, atiça fascínios e desperta o interesse pelos super-guerreiros secretos que podem estar perto de nós sem que o saibamos, prontos a intervir no mais absoluto secretismo.
O princípio pouco auspicioso do século XXI trouxe à ribalta o papel das operações especiais nesta estranha guerra mundial que se convencionou apelidar de guerra contra o terrorismo. Esta guerra, impactada na memória colectiva com o embate das aeronaves contra os arranha-céus nova-iorquinos, é lutada contra um inimigo oculto e insidioso, perante o qual as forças convencinais não são capazes de agir eficazmente. Tem cabido às forças especiais o papel preponderante no combate às células Al-Qaeda.
Quando entramos nestes domínios a ideia de legitimade esbate-se. O século XX forjou a ferro e fogo sonhos e esperanças. Todos acreditavam que o século XXI seria um século de progresso e optimismo. Em vez disso, confrontamo-nos com os desafios das mudanças climatéricas globais e esta guerra de balas e ideias que mergulhou o mundo num sucedâneo pós-moderno e high tech das cruzadas medievas. 1984 passou sem que o mundo se tivesse transformado no mundo de 1984, mas os anos de 2000 assemelham-se arrepiantemente, com um immanuel goldstein insidioso e oculto a catalizar os medos de uma sociedade mergulhada na violência incompreensível da guerra.
To Dare & To Conquer, escrito por um analista da universidade de Georgetown, especialista em serviços secretos e operações especiais, traça uma história possível da evolução das operações especiais militares através dos tempos. A obra é ambiciosa, procurando as fontes históricas da antiguidade clássica para ir o mais atrás possível no tempo. A metáfora homérica do cavalo de Tróia dá o mote ao ensaio, que descreve de uma forma muito empolgante para o género (estamos a falar de um ensaio histórico) a evolução histórica do que se transformou, nos finais do século XX, na ideia de operação especial.
Históricamente, as operações especiais foram o domínio de homens dotados de coragem e qualidades excepcionais, e é nas pequenas histórias, notas de rodapé das grandes campanhas, que Derek Leebaert se centra, tentando demonstrar a sua tese de como os grandes momentos da história são decididos em momentos onde acções decisivas têm impactos que mudam literalmente o curso da história. Para o leitor leigo nestes assuntos, e amante de uma boa estória factual, é aqui que o livro ganha o seu enorme interesse. Derek Leebaert narra com enorme vivacidade os feitos daqueles poucos homens que se atreviam a conquistar, traçando uma narração de feitos incríveis que vai desde Alexandre o Grande à época contemporânea.
Entre as muitas pequenas histórias contidas na obra, algumas saltam à vista pela sua incredulidade: soldados gregos dos exércitos de Alexandre a escalarem montanhas afegãs para conquistar fortalezas impenetráveis no alto dos cumes, milénios antes da invenção do alpinismo; a estratégia brilhante de Aníbal, general cartaginês que durante anos enfrentou forças romanas vastamente superiores às suas nas terras de Roma; as sinistras histórias da seita dos Assassinos, que aterrorizaram o mundo cristão e islâmico na era medieval, até serem literalmente exterminados pelos mongois, pouco impressionados com a subtileza de operadores capazes de se disfarçarem de monges durante décadas apenas para levar a cabo um assassínio suicida; as estratégias de incoerentes minorias armadas que puseram fim aos impérios pré-colombianos; a coragem e a cupidez dos corsários que praticavam a pirataria como forma de guerra entre estados; os feitos de homens de capacidades singulares no mundo colonial do século XIX; o historial de secretismos do século XX, repleto de operações secretas e unidades especiais nas múltiplas guerras que sangraram o século.
Talvez a mais fascinante história seja a dos feitos de Thomas Cochrane, oficial muito pouco convencional da marinha britânica, que na guerra peninsular se distinguiu pela audácia extrema das suas acções, na sua maioria não autorizadas, contra os franceses e os seus aliados. O mais incrível dos seus feitos desafia a imaginação: ordenado para não intervir em auxílio de uma força de 300 catalães entricheirados numa fortaleza costeira e cercados por 8000 soldados napoleónicos, Cochrane fez-se na mesma ao mar e reforçou as tropas cercadas com a sua tripulação. Incapazes de resistir ao assalto de forças mais de dez vezes superiores, Cochrane e os catalães sobreviventes montaram uma fuga arrojada no último momento possível. Com os soldados franceses a passarem as muralhas da fortaleza catalã, Cochrane evacuou os homens para a sua fragata através de uma corda, os últimos homens acendendo rastilhos para provocarem uma enorme explosão na fortaleza, último golpe possível dos defensores contra os franceses. História digna de um inverosímil filme de Hollywood, não é? Graças a feitos deste calibre, Cochrane sucedeu ao lendário Almirante Nelson no comando do almirantado britânico nos tempos em que a marinha de sua majestade (e o incongruente navio de linha) dominava os sete mares.
To Dare & To Conquer centra-se muito sobre as personalidades muito especiais que deram origem ao longo dos tempos ao que hoje se convencionou chamar de operação especial Alguns são velhos conhecidos, como Alexandre, Pizarro ou T. E. Lawrence. Outros são menos conhecidos, mas merecem uma nota de rodapé na história mundial pelos seus feitos que traem ou uma infinita loucura ou um enorme génio - como Murad Rais, soldado indiano ao serviço da coroa britânica, que conseguiu com um punhado de homens tomar uma fortaleza tida como inexpugnável, através do brilhante estratagema de disfarçar os seus oficiais superiores de prisioneiros e infiltrar os seus soldados na fortaleza com a concordância do marajá sob pretexto de guarda dos prisioneiros. Como este, houve muitos homens que se dedicaram a vencer batalhas e a derrotar exércitos melhor armados e mais numerosos com as armas da inteligência pura e do bloqueio bem colocado na engrenagem.
No meio de tanta adrenalina até nos esqueçemos que esta é uma história de matanças, de massacres precisos. Um soldado de operações especiais é, fundamentalmente, uma eficiente máquina de matar. É um ponto que Leebaert, no meio de tanta admiração rasgada pela excitante história dos feitos militares, apenas aflora muito por alto, excepção feita quando enumera o rosário de falhanços ineptos da CIA.
Talvez a maior lição a retirar desta obra, para além da realidade ultrapassar largamente a ficção, esteja no facto de em tantos momentos da história punhados de homens decididos, não necessáriamente poderosos ou bem armados, terem conseguido influenciar decisivamente o curso da história mundial. É uma lição que o autor não se cansa de sublinhar, tirando paralelos com a guerra contra o terrorismo.
Apesar do enorme interesse deste livro, não consigo deixar de referir que preferiria viver num planeta onde estas histórias não passassem de histórias registadas em livros, e não em imagens aterradoras que diáriamente nos chegam através dos media.