segunda-feira, 14 de maio de 2007

Os Melhores Contos de Howard Phillips Lovecraft



H. P. Lovecraft, Os Melhores Contos de Howard Phillips Lovecraft - Volume II, Saída de Emergência, 2007

Saída de Emergência

Talvez o Edgar Allan Poe da literatura americana dos inícios do século XX, H. P. Lovecraft foi na sua vida um apagado mas influente escritor de horror e fantasia, essencialmente publicado nas revistas pulp da época, bem como em revistas amadoras dedicadas aos fãs do género. Após a sua morte, Lovecraft e a sua obra pareciam estar votados à obscuridade e ao esquecimento, algo que só não aconteceu devido aos tenazes esforços de alguns fãs dedicados que ao longo de décadas foram assegurando novas edições dos contos clássicos do autor, bem como o cuidados estudo dos acervos documentais relativos a Lovecraft. Pode-se dizer que foi um esforço compensador. Sem este esforço, Lovecraft teria certamente caído no esquecimento, o que seria uma perda tremenda. A obra de Lovecraft é talvez das mais marcantes no campo da ficção de terror, e influência óbvia para muitos escritores, artistas e cineastas que se dedicam a olhar para os mitos mais obscuros saídos da imaginação humana.

Uma óbvia comparação pode ser traçada entre Lovecraft e Bach, músico extremamente prolífico mas que após a sua morte caiu no esquecimento, tendo sido recuperada a memória da sua música através do paciente trabalho dos musicólogos... e que música, esse canto de anjos, notas que descrevem sinfonias e arabescos perfeitos, música mais bela do que a das esferas. Salvem-se as devidas distâncias para com o maior génio musical de todos os tempos, mas dentro do seu nicho literário Lovecraft foi um marco de génio. Da sua casa de Providence, na mais inglesa das américas, Lovecraft soube sentir o pulsar dos tempos e o ritmo das tradições, misturando na sua ficção o horror clássico, o medo do desconhecido, a estranheza da ciência e o poder dos mitos.

Durante décadas, Lovecraft foi autor desconhecido do grande público português, pérola literária conhecida apenas pelos conhecedores mais atentos, publicado apenas nas colectâneas e livros de bolso importados. Traduções para português eram quase nenhumas. Isso tem vindo a mudar, graças aos esforços da editora Saída de Emergência e de José Manuel Lopes, tradutor e professor na Universidade Lusófona. Em 2006 foi editado o primeiro volume de contos traduzidos, trabalho de tradução tutelado por José Manuel Lopes, e em 2007 o trabalho teve seguimento, com a publicação de um segundo volume de traduções dos contos de Lovecraft.

Neste segundo volume podemos ler, finalmente em português, os seguintes contos: O Templo, onde Lovecraft começou a esboçar os elementos que mais tarde viriam a tornar-se os Cthulhu Mythos; A Chave de Prata, Através dos Portais da Chave de Prata e O Depoimento de Randolph Carter, três contos interligados pelo seu profundo onirismo inspirado em Lord Dunsany onde Lovecrat revela um lado de poesia mais fantástica (expandida em The Dream-Quest of Unknown Kadath, obra onírica onde o fantástico assume uma preponderância surreal), misturando elementos embrionários dos Mythos; Factos Acerca do Falecido Arthur Jermyn e sua Família, conto clássico onde ciência e horror entram em colisão com as lendas sobre o que os exploradores encontraram nas profundezas da selva africana; A Gravura no Livro da Casa, conto de génio onde os ingredientes teneborosos do horror se conjugam numa narrativa de canibalismo e loucura; A Música de Erich Zann, obra onírica onde outras dimensões tocam fugazmente a nossa; Os Sonhos na Casa da Bruxa, onde a mestria de Lovecraft combina horror com geometria, ciência com as lendas da tradição de bruxaria da Nova Inglaterra num conto arrepiante; O clássico A Abominação de Dunwich, onde Lovecraft explora ao limite os ingredientes dos seus Mythos - obras obscuras onde se pode ler conhecimento secreto e perigoso, invocação e encantamentos de criaturas monstruosas de além-espaço; O Medo do Oculto, conto aterrorizante sobre o que se pode encontrar sob as colinas tenebrosas de uma região particularmente degenerada, esquecida no meio da Nova Inglaterra; e, para terminar, os elementos pulp clássicos - cemitérios, carácteres desonestos, noite, esqueletos e a obrigatória reviravolta final conjugados na pureza do ambiente de literatura pulp que é o conto A Casa Mortuária.

Aos conhecedores mais profundos da obra de Lovecraft esta edição não traz nada de novo, excepto a sua preciosíssima tradução em português, esforço que merece os maiores aplausos. Aqueles que já conhecem Lovecraft de trás para a frente terão sempre o prazer de finalmente lerem a prosa filiganada do autor em português. Para aqueles que conhecem pouco, que gostariam de conhecer mais, ou que não conhecem Lovecraft, esta obra, acompanhada do primeiro volume, é uma preciosa introdução que certamente não deixará de apaixonar o mais casual dos leitores pela prosa única e pelas visões tenebrosas de além-espaço saídas da pena deste autor único.