segunda-feira, 5 de março de 2007

Qumrân



Eliette Abécassis
Wikipedia | Eliette Abécassis

Eliett Abécassis, Qumrân, o Enigma dos Manuscritos do Mar Morto, Sicidea, 2006

Os livros editados pela colecção da revista Sábado não se têm destacado pela sua profundidade, e na maior parte dos casos pela sua legibilidade. A temática anda sempre à volta do mesmo, com pretensos segredos de antanho que giram sempre às voltas com qualquer artefacto religioso ou manuscrito que, se desvendado, revolucionaria a nossa visão do mundo.

Se algo pode definir este género de ficção, é pensar nestas obras como uma pulp fiction contemporânea, sem personagens absurdos e demónios ocultos/criminosos de sangue frio/sádicos nazis/cientistas loucos com vontade de dominar o mundo. As personagens são verosímeis, os enredos rebuscados e eruditos, cheios de hipóteses apelativas e teorias não descartáveis à primeira leitura. Mas convenhamos, estes géneros literários respondem a uma necessidade, à necessidade de escapar para mundos ficcionados que nos intriguem mas não exigam demasiado esforço para neles se mergulhar. É esta a base destas obras. O seu conteúdo é uma questão de modas, e agora a moda são os segredos obscuros dos primórdios da cristandade.

Este Qumrân escapa ao simplismo destas ficções. Da colecção, esta é a obra mais densa e cuja leitura está recheada de pormenores teológicos e interpretações históricas. Escrita por Eliette Abécassis, escritora francesa formada em filosofia e filha de um especialista na religião judaica, esta obra supreende pelo cuidado na apresentação do judaísmo nas suas formas mais nucleares.

Qumrân parte dos célebres manuscritos do mesmo nome, enterrados pelas comunidades essénias e redescobertos na década de cinquenta. Os manuscritos em si são reais, sendo mais uns textos de entre muitos que influenciaram o cristianismo, pelo menos até ao concílio de Niceia, que estabeleceu os textos canónicos contidos na bíblia e relegando os restantes para os capítulos apócrifos. O estudo intenso destes pergaminhos tem revelado conclusões interessantes sobre as teologias que deram origem ao cristianismo, e no ano passado tiveram um forte momento sob as luzes da ribalta com as polémicas sobre o famosamente publicitado envangelho de judas.

Qumrân debruça-se sobre um sétimo manuscrito, subtraído aos olhares investigadores após a sua descoberta. Os segredos contidos nesse manuscrito, se revelados, abalariam o mundo. Roma seria engolida por um terremoto de ideias e a nossa visão da religião mudaria. Tinha que ser um sétimo manuscrito - é a óbvia simbologia cabalística deste número especial. Qumrân conta-se a partir dos olhos de Ari Cohen, judeu hassídico que após uma vida perfeitamente normal decide converter-se na mais restritiva das seitas judaicas. Cohen passa os seus dias a estudar a tora, e deseja nada mais do que a vida humilde de estudo a que os seus colegas se dedicam. Mas um pedido de ajuda do seu pai leva-o a abandonar a sua dedicação hassídica. Partem em busca do sétimo manuscrito de Qumrân, e esta busca leva-os ao âmago de segredos inimagináveis. Ao longo das aventuras passadas na busca deste controverso manuscrito, que estabeleceria jesus como um membro da comunidade essénia e, por consequência, os ensinamentos essénios como o âmago do cristianismo, Ari descobre as suas raízes, que não são de longe as que pensa serem as suas raízes. Ari julga-se filho de um dedicado arqueólogo, mas acaba por descobrir que o seu pai é um elemento da seita dos essénios, ainda vivos e escondidos nas cavernas sobre as montanhas de Qumrân.

Qumrân é uma obra densa e surpreendente, que sob a forma de thriller histórico nos faz debruçar sobre o judaísmo e as suas correntes. Uma interessante surpresa, nesta colecção que tão pouco de inesperado tem trazido.