quarta-feira, 28 de março de 2007
The Phantom of the Opera
IMDB | Fantsma dell'Opera (1998)
1000 Bullets | Phantom of the Opera
Wikipedia | Dario Argento
O Fantasma da Ópera de Gaston Leroux já está definitivamente entronizado como um dos ícones do cinema, que atravessa géneros. Se associamos a bizarra história do fantasma que assombra a Ópera de Paris ao filme de terror, isso tem mais a ver com tradição iniciada por Lon Chaney na lendária adaptação dos tempos do cinema mudo em representar o fantasma como um monstro assustadoramente desfigurado. A história que deu origem a todos estes filmes e à mística do personagem está, num pormenor tão comum a outras histórias que deram origem a outros ícones cinematográficos (caso de Frankenstein, por exemplo) enterrada debaixo de inúmeras interpretações, feitas aos gostos da época e aos gostos dos produtores. O Fantasma da Ópera tem versões tão díspares como a monstruosa de Lon Chaney nos anos 20, a elegante de Claude Rains nos anos 40, ou a mais recente de Andrew Lloyd Weber, em ritmo de musical tragicómico. Esta adaptação, filmada no final dos anos 90, beneficia do estranho olhar do realizador único que é o italiano Dario Argento - um verdadeiro Fellini do terror.
Este The Phantom of the Opera não é um filme fácil. É, sem dúvida, um filme perturbador, por vezes bizarro, por vezes assustador, por vezes erótico, por vezes cómico, por vezes violento, mas sempre muito intenso e que não deixará nenhum espectador indiferente... deixará, até, muitos espectadores revoltos com a violência visual do filme.
Mais uma vez é contada a história do triângulo amoroso entre Christine, jovem cantora da Ópera de Paris de voz angelical, de Raoul, o seu pretendente, e de Erik, o fantasma que vive nas sombras das catacumbas e assombra os corredores da Ópera. Sendo um filme de Dario Argento, o filme não nos poupa a pormenores sangrentos e a olhares inquietantes.
O filme é visualmente claustrofóbico. Os espaços visuais são apertados, dando aos espectadores aquela desconfortável sensação de aperto irrespirável que se associa com os ambientes claustrofóbicos. Ajuda o filme ser largamente passado em grutas, camarins exíguos ou nas apertadas catacumbas que estão no mundo inferior do edifício da ópera, a fervilhar com a necessária actividade para que o mundo luxuoso lá de cima corra suavemente. Mas mesmo em cenas mais abertas, como os palcos da Ópera ou os cafés onde da sociedade da época se congrega, onde os espaços são mais amplos, a claustrofobia impera. Argento enche os espaços vazios de figurantes, criando assim uma sufocante mole humana que está sempre presente, nunca aliviando a sensação de sufoco. Noutras cenas, que por via da história são necessáriamente passadas em espaços amplos onde os únicos personagens são o Fantasma e Christine, a claustrofobia é assegurada por uma utilização apurada de cores escuras e ângulos de câmera inquietantes. Apesar disto, o filme é estranhamente desconexo, e a única ligação entre as cenas está na estética visual que assegura a coerência do filme. Esta desconexão torna o filme difícil de apreciar. Num momento podemos estar a assistir a um clássico momento de ópera, noutro a uma morte sangrenta e arrepiante, com a tónica assente no sangrento.
A estranheza do filme é sublinhada também pelo tratamento dado aos personagens principais. Raoul, o herói que salva Christine das garras do monstro, está retratado de forma muito pouco convicente. É uma personagem sem qualquer profundidade cuja cena mais intensa se passa num sensual banho turco, onde Raoul dá largas aos seus delírios por entre voluptuosos corpos nús. Christine é representada por Asia Argento, filha do realizador e uma das mais recentes scream queens do cinema fantástico. Asia é uma daquelas mulheres que é bela sem ser bonita, e o seu magnetismo confere ao papel de Christine uma dimensão trágica que remete para a pose das belezas que fenecem, tão ao gosto dos finais do século XIX, uma pose que fascina os amantes das trevas e do negrume gótico (pensem nos filmes de Tim Burton, ou numa referência musical, nos Evanescence). Asia consegue passar de uma atitude banal nos momentos menos assustadores do filme a picos esplendorosamente trágicos nas cenas chave do filme. Mas esta sensação talvez seja motivada pela dobragem - os actores italianos a falar em inglês é coisa que não soa bem, e que torna muitos bons desempenhos pouco convicentes.
Julian Sands, um actor que estranhamente abomino, representa fabulosamente o personagem de Erik. É na sua interpretação, e no olhar do filme sobre o fantasma, que reside a força deste filme. O fantasma não é um monstro desfigurado, figura trágica que causa repulsa mas ao mesmo tempo pena por conhecermos a sua história trágica. Nesta obra, o fantasma é belo, de uma forma assustadora, mas ao mesmo tempo atractiva. Não é de forma alguma um monstro desfigurado, cujo olhar provoca repulsa. A sua monstruosidade está no seu interior, no seu pouco saudável hábito de eliminar com requintes de sadismo aqueles que se atrevem a penetrar no seu reino das profundezas. A máscara de Erik, neste filme, a máscara que esconde a sua deformidade, é o seu próprio rosto, de olhar magnético e intenso. Mais do que um simples psicopata, Erik é uma criatura das profundezas, que vive no seu reino cavernoso comandando e protegendo uma legião de ratazanas, com as quais tem um elo muito próprio. O momento mais estranho do fime é uma visão de Erik, que sonha com homens aprisionados como ratazanas numa ratoeira, interrompida por uma visão de Christine em pose portentosa de trágica deusa, enquadrada em contra-luz e de cabelos soltos ao vento. É algo profundamente bizarro, o que neste filme (e na obra deste realizador) não é dizer pouco.
Um certo ar de decadência é prevalente no filme. Argento retrata a sociedade da Ópera de forma amoral, olhando com especial atenção para aqueles que fazem da Ópera a casa das suas obsessões - como Degas, com a sua saudável obsessão por desenhar as jovens bailarinas, ou para outros patronos frequentes da Ópera cujas intenções lúbricas para com as jovens bailarinas são representadas pela dádiva pouco inocente de chocolates. No entanto, o crime é sempre punido por castigos irónicamente apropriados.
Um ponto muito estranho do filme envolve as bizarrias de Ignatz, o caçador-chefe de ratazanas que colecciona as caudas das ratazanas que mata, e constroi um estranho veículo para tomar de assalto as ratazanas que assolam as caves e cavernas debaixo do edifício da ópera, com resultados previsívelmente sangrentos que envolvem cabeças decepadas. Ignatz, recorde-se, é o nome do rato criado por George Herriman na banda desenhada Krazy Kat, sempre a pregar partidas ao gato que supostamente o deveria caçar e a responder a tijolo às amorosas atenções da gata que está apaixonada por ele. É um símbolo das inúmeras referências que Argento colocou neste filme.
Qualquer fantasma da ópera que se preze tem de ter a cena climáctica do gigantesco candelabro que cai sobre a plateia. Argento não desilude, fazendo culminar o momento numa cena macabra e escatológica, a fazer jus à fama do realizador.
The Phantom of the Opera não é considerado pelos críticos como um dos melhores filmes de Argento, o que me surpreende. Se Argento é capaz de melhor do que este perturbador filme, imagine-se as visões de pesadelo que passou ao celulóide. Apesar de desconexo, com uma banda sonora de Ennio Morricone que remete mais para filme romântico do que para filme de terror, este The Phantom of the Opera é um filme que surprende, pela sua dimensão trágica, pela bizarria das suas visões, pela estranheza do seu olhar e pela beleza escatológica dos seus pormenores gore. Não é aconselhável a estômagos fracos.