segunda-feira, 26 de março de 2007
O Veterinário de Província
James Herriot, O Veterinário de Província, Livros Horizonte, 2002
Livros Horizonte | O Veterinário de Província
Wikipedia | James Herriot
Os grandes livros enfrentam sempre grandes temas. A literatura que parece ficar, a que ganha importância, aquela cuja simples menção desperta pensamentos de calma nobreza, anda sempre às voltas com as questões que dilaceram a alma humana. E o simples contar de histórias é muitas vezes relegado à condição de arte menor, divertimento de pouca importância, por muito que nos agrade a leitura. Se o tema não é portentoso, a obra não é considerada importante. Não é que toda a literatura tenha de ser automaticamente importante apenas por ser escrita, mas obras interessantes, escritas em tom leve, são muitas vezes depressa esquecidas.
O Veterinário de Província é um destes livros, que está firmemente no caminho para o esquecimento, o que é lamentável. James Herriot, pseudónimo de James Wight, passou uma vida a exercer medicina veterinária na Inglaterra profunda. Herriot viveu as mudanças da sociedade rural, apegado no entanto ao espírito simples de honestidade e labor que para ele caracterizavam a vida rural. E, ao longo da sua carreira, este observador atento do carácter humano ficou com inúmeras histórias para contar, histórias simples, humanas, sobre as idiosincrasias dos homens duros do campo, histórias eternecedoras de uma vida passada a tratar do bem estar dos animais. É esta a grande virtude de O Veterinário de Província, relembrar-nos do prazer das coisas simples da vida. O amor pelos animais é apenas uma das facetas desta obra
O Veterinário de Província é o primeiro de muitos volumes das memórias ficcionadas de Herriot. As suas personagens reúnem as características dos habitantes da região onde trabalhou, a cidade ficcional de Darrowby - na realidade, Thisk, no Yorkshire, e as suas pequenas histórias, às vezes curiosas, às vezes tristes, às vezes eternecedoras, às vezes divertidas reúnem as vinhetas de uma vida de experiências entre rudes criadores de gado e nobres locais. O título inglês, All Things Great and Small faz bem jus ao espírito da obra. Este é um livro simples, sobre coisas simples, apesar de muitas vezes parecerem complexas e assustadoras. É impossível ler esta obra e não sorrir com as peripécias do jovem veterinário no meio dos rudes homens do campo que se julgam mais sabedores do que o doutor da cidade; não sentir a ternura do homem que cuidadosamente, a meio de noites geladas e em condições muito pouco higiénicas se afadiga a ajudar vacas, éguas e carneiros a parirem, sorrindo sempre que finalmente vê a cria nas suas mãos. Junte-se a isto as aventuras de um patrão muito pouco convencional ou a descrição atenta dos mimos dados por uma viúva rica ao seu pequinês de estimação - e por extensão ao "tio" veterinário, e temos este livro leve, que nos restaura a fé na humanidade e nos deixa cheio de vontade de ler mais. Infelizmente, da obra do autor só dois volumes estão publicados em português, ambos há muito esquecidos pelo mercado. Talvez tenham sorte, e encontrem este O Veterinário de Província perdido, esquecido no fundo de alguma prateleira de livraria.
É um livro perfeito para ler confortávelmente, enquanto a nossa fera de estimação favorita se aconchega junto a nós no sofá e ressona tranquilamente, acordando de quando em vez para olhar para nós com aquele olhar que os cães só fazem aos donos. E talvez seja por isto que tanto gosto deste livro. Embora não me ocorra ser capaz de enfiar o braço dentro de uma vaca para ajudar ao parto de um bezerro, percebo perfeitamente o gosto pelo bem estar dos animais - e a minha fera também tem "tios"...