segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
O Demónio de Ferro
Robert E Howard, Conan, O Demónio de Ferro, Saída de Emergência, 2006
Saída de Emergência
Wikipedia | Conan
Com este segundo volume das aventuras da lendária personagem de Robert E. Howard a editora Saída de Emergência sublinha a sua intenção de publicar a obra completa deste autor seminal em português, com traduções contemporâneas e edições cuidadas. Depois da edição de A Rainha da Costa Negra, este segundo volume publica segundo a ordem cronológica mais cinco exóticos do bárbaro musculado descrito como além do bem e do mal - o bárbaro cuja moralidade selvagem se sobrepõe à malícia das palavras melífulas e moralidades apregoadas dos homens civilizados. Quem leu o primeiro volume pode esperar mais aventuras puras, cheias de descrições de terras exóticas, homens malévolos, donzelas desnudas em perigos mais gravosos do que morte e mistérios sombrios solucionados pela espada empunhada pelos poderosos músculos de Conan. A quem desconhece o personagem, recomendo vivamente esta leitura. É viciante, e aprofunda o bichinho do gosto por esta personagem icónica.
As palavras de Howard estão muito bem servidas pela tradução. Costuma-se dizer que traduttore traditore, mas a tradução cuidada destes contos preserva-lhes o vigor e a chama que são tão vitais a este género literário.
Como nota final, uma estranha comparação. Os contos publicados em A Rainha da Costa Negra eram puras aventuras na era hiboriana criada por Robert E. Howard. Os contos de O Demónio de Ferro continuam a ser excitantes histórias de aventura, mas expoem um lado mais negro do autor. Há nestes contos uma estranha prevalência de mulheres desnudas expostas a tenebrosos perigos, rituais ou torturas, sempre salvas pelos braços musculados do héroi. É um lado mais sexualizante, típico do pulp, que tem sido largamente explorado em todas as iterações do personagem em comics e filme. Passando-se nas latitudes mais austrais das terras imaginárias hiborianas, Robert E. Howard descreve com assinalável desprezo decadentes civilizações que o leitor logo associa ao mundo àrabe, e faz largo uso do estereótipo do negro como selvagem brutal, incivilizado e desprovido de humanidade. Citando as palavras de Howard, Conan não é "cão que deixe uma mulher branca nas garras de um negro". São estereótipos clássicos, mas a não levar muito a sério. Os autores pertencem ao seu tempo, e Robert E. Howard foi um autor dos anos trinta saído do sul dos Estados Unidos.
A admiração que sentimos pelos nossos autores favoritos leva-nos muitas vezes a esperar mais deles do que aquilo que eles foram. Idealizamos ídolos, e ficamos desapontados quando estes não correspondem à imagem que deles temos. Mas estas correntes mais tenebrosas, estas significâncias mais arriscadas na obra de Howard não são nada de inédito ou programático. São só um reflexo do seu tempo. Como outro exemplo poderia falar de H. P. Lovecraft, também reconhecido por uma certa xenofobia expressa em contos como The Street... As reticências são uma suspensão, quem leu este conto sabe bem como o lado negro de Lovecraft se revela. Quem não sabe... leia.
Está explicada uma das razões que me levou a escolher a imagem que ilustra o post. Não consegui encontrar uma imagem da capa deste segundo volume dos contos de Conan, e não tive grande paciência para digitalizar a capa da minha cópia do livro. Geralmente costumo ir ao site das editoras em busca da imagem de capa, mas o site da Saída de Emergência está a preparar um redesign do seu site. Fiquei curioso.