quarta-feira, 10 de janeiro de 2007
The Wolf Man
IMDB | The Wolf Man (1941)
Wikipedia | The Wolf Man
Wikipedia | Universal Horror
O mito do homem-lobo, do licantropo, criatura maléfica que em noites de lua cheia abandona a sua casca humana para se revelar um feroz lobisomem, é um dos mitos obscuros que persiste na nossa memória. Implantado nos tempos medievos em que a natureza representava um perigo tenebroso, o mito do lobisomem consegue unir a sincera percepção da maldade existente nas profundezas da alma humana com o muito real perigo do lobo, predador por excelência das florestas impenetráveis da europa medieval. As tradições associadas à licantropia, as velhas histórias sussurradas e os mitos que intepretavam mal tristes realidades encontraram lugar ao lado de outros mitos do terror. Não surpreende assim que o homem-lobo tenha encontrado um lugar entre o panteão de criaturas monstruosas imortalizadas nos clássicos filmes dos estúdios Universal. Após o clássico Drácula, o curioso The Mummy e o sublime Frankenstein, The Wolf Man tornar-se-ia no quarto elemento do panteão de terror clássico.
Como todos os filmes da época, destinados a um público menos sofisticado e mais sensível do que o público de hoje, The Wolf-Man resume-se em poucas linhas. Recordem, por exemplo, que no Drácula de 1931 as cenas de horror mais intenso eram o despertar do vampiro no seu covil (naquela que é uma cena fabulosa com a impecável fotografia a preto e branco e os cenários profundamente expressionistas) e o olhar intenso de Drácula ao tentar hipnotizar Van Helsing - cenas que na época da estreia do filme causavam desmaios e que agora apenas causam bocejos a um público insensibilizado pelos excessos do gore e do slasher (ou dos perturbantes filmes recentes, como Saw ou Hostel, que fazem da glorificação sangrenta da tortura o objecto do horror).
Larry Talbot, herdeiro de uma larga propriedade nos campos do País de Gales, regressa a casa após dezoito anos passados na América. Larry regressa para se reconciliar com o pai, após o falecimento do seu irmão mais velho, filho primogénito e anterior herdeiro do título e das propriedades. Larry tenta adaptar-se a um país e a um modo de vida que já não é o seu, apesar de ser nativo da região, e o seu modo de ser urbano e moderno coexiste com dificuldade no mundo quase medieval da aldeia galesa. Nalguns pontos, o filme segue o esterótipo previsível - Larry apaixona-se por Gwenn, uma filha da terra. Ao fazer-lhe, castamente, a corte (trata-se de um filme dos anos 40), Larry contacta com uma família de ciganos videntes. Na profunda floresta, Jenny, amiga de Gwenn, é bárbaramente assassinada por um lobo. Larry intervém, tentando salvar Jenny, atacando o lobo com uma bengala de cabo de prata decorada com uma cabeça de lobo e um pentagrama. Larry mata o lobo, mas é mordido por este. Horas depois, quando o corpo de Jenny é econtrado, ao seu lado encontra-se o corpo de um dos ciganos. Aos olhos das gentes, Larry torna-se imediatamente suspeito destas mortes, apesar de insistir que apenas matou um lobo.
Mordido por um lobisomem, Larry descobre com horror que a maldição passou para si. Quando cai a noite e a lua desponta, Larry transforma-se num homem-lobo, e corre as florestas em busca de vítimas. Para seu maior horror, Larry está consciente das transformações que sofre, e mergulha na loucura quando vê a marca da sua próxima vítima estampada na mulher que ama. Entretanto, os monteiros da família Talbot montam armadilhas para caçar o lobo que se pensa que está a causar tanta mortandade. E é numa noite de lua cheia, por entre as àrvores e o nevoeiro, que o pai de Larry é atacado pelo lobisomem, matando-o com pancadas da bengala de Larry. A morte trás consigo o fim da maldição, para horror do pai que vê o lobo transformar-se no cadáver do filho perante os seus olhos.
Embora não seja profundamente complexo, The Wolf Man tem um pormenor curioso: diz a lenda, segundo o filme, que o lobisomem antevê as suas vítimas vendo um pentagrama, a marca do lobisomem, sobre a pele das suas vítimas. À partida um pormenor menor, até nos recordar-mos que o argumento foi escrito por Curt Siodmak - autor de ficção científica da golden age, e judeu fugido às agruras da Alemanha nazi. Siodmak conhecia muito bem o horror de marcar uma pessoa com uma estrela, embora no horror nazi a estrela não tenha sido um pentagrama. Outro pormenor curioso, que The Wolf Man partilha com os outros filmes clássicos da Universal, é a relutância em aceitar o monstro como tal - o monstro, o vampiro, o lobisomem não são apresentados como criaturas puramente maléficas, mas sim como seres marcados pela maldição que são muitas vezes mais humanos e dignos de dó do que aqueles que se sentem aterrorizados pelos monstros. No filme há um diálogo notável, especialmente para o tipo de filme e para a época, em que o lógico e científico pai de Larry exorta o filho sobre as visões do mundo - para muitos, uma simples visão dual, preto no branco, e para outros uma infinda escala de tonalidades, onde as razões de ser não se subdividem em simples dualismos bem/mal.
Apesar de se ter tornado uma referência desta época única do cinema de terror, The Wolf Man não é um dos melhores filmes do género - a honra vai (claro) para Drácula e para o fabuloso Frankenstein. The Wolf Man poderia ter sido um filme mais marcante, se não pelas suas inconsistências. Constrangimentos orçamentais implicaram que as cenas na aldeia do país de gales fossem filmadas nos cenários da aldeia europeia dos estúdios Universal - um estereótipo de aldeia que tinha mais em comum com a Bavária do que com Gales, e que de facto já tinha sido palco que grande parte das filmagens de Frankenstein. Perante a "britishness" - o sotaque, a fleuma - dos personagens do filme, representados por actores de impecável sotaque inglês, Lon Chaney Jr., com um ar perfeitamente canastrão destaca-se pela negativa pela sua falta de sotaque e trejeitos, o que é inconsistente se nos recordarmos que Chaney deveria estar a representar o papel de um filho da nobreza britânica. Ainda por cima em contraste com a contenção e a leveza de Claude Rains no papel de pai de Larry Talbot, a verdadeira epítome dos old boys, que actua como se de um verdadeiro lorde se tratasse. Para a memória visual ficam algumas cenas memoráveis - as cenas clássicas da floresta durante a noite, com fiapos de nevoeiro ilumindados pelo luar, ou um panorama da pequena igreja da localidade - na cena, elevada quase ao nível de uma catedral gótica.
O monstro em si é quase ridículo, apesar de criado pelo lendário Jack Pierce. Pensem nas múmias, pensem na icónica imagem de Frankenstein, e aí têm o legado de Jack Pierce, maquilhador dos estúdios. Mas neste homem-lobo, nas cenas que deveriam ser mais dramáticas, onde o monstro ataca as suas vítimas, o monstro parece-se com aquilo que realmente é - um homem canastraão vestido com um pijama e uma máscara.
Drácula remexia com o medo e o fascínio com a morte e com a vida além da morte; Frankenstein baseava-se nos medos tecnológicos e nas promessas de horror de uma ciência descontrolada; The Mummy apelava ao fascínio pela antiguidade e pelos mistérios históricos do antigo Egipto. Mas The Wolf Man remete para um medo natural, por um fascínio assustado com as forças da natureza percebidas como destrutoras no isolado mundo medieval. Nos tempos modernos, iluminados pela luz electrica, as trevas perdem a força, e ameaçada pela tecnologia, a natureza transforma-se de elemento ameaçador em elemento ameaçado. Por isso, The Wolf-Man nunca atingiu o estatuto de culto dos restantes monstros glosados pela Universal, tendo-se ficado pelo estatuto de criatura ridicularizável ressuscitada em várias iterações do mito. A isto também não é alheia a força da representação - se Drácula teve o paradigma de Bela Lugosi (que para sempre fixou a imagem do vampiro aristocrático) e The Mummy e Frankenstein a força icónica de um Boris Karloff, The Wolf Man teve um actor incapaz de ultrpassar o ar canastrão no ecrã. Mas apesar de não ser um clássico imperdível, The Wolf Man não deixa de ser uma referência agradável, indispensável para o amante do cinema de terror que se preocupe em conhecer as origens do género.