terça-feira, 11 de outubro de 2005

Drácula (1931)



Bram Stoker - Drácula (e-book)
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Bibliografia de Bram Stoker

Desafio-vos a dizerem que livros Bram Stoker escreveu para além de Drácula. Consigo lembrar-me de O Hóspede de Drácula e O Covil do Verme Branco, e certamente que terá escrito mais algumas obras, hoje esquecidas perante o sucesso colossal que foi, e ainda é, Drácula. Drácula é um dos melhores livros de terror escritos no século XIX, e é um livro que ainda hoje nos hipnotiza com a sua história de caça ao maior dos vampiros, de Londres ao coração da Transilvânia. O livro é narrado sempre na primeira pessoa, através de excertos dos diários dos personagens envolvidos com o monstro. Esse artifício literário confere à história um carácter mais arrepiante - somos sujeitos às diferentes percepções de cada personagem sobre o vampiro.

Drácula não foi a primeira história de terror sobre vampiros. Mas a imagem que estabeleceu de um quase imortal aristocrata, banhado em segredos tenebrosos de um passado nas terras mais selvagens da europa, de um vampiro elegante e quase desumano, violento quando necessário, mas perfeitamente à vontade na alta sociedade, tornou-se a base de quse tudo o que foi escrito sobre vampiros após a publicação de Drácula. Os vampiros de Entrevista com o Vampiro, de Anne Rice, são no fundo versões mais sofisticadas e refinadas da ideia que temos dessa criatura mítica.

Um livro com tanto sucesso cedo gerou adaptações teatrais. Nos princípios do século, os vampiros elegantes tomaram conta dos palcos londrinos, com adaptações que reforçavam o drama de sociedade presente em Drácula em detrimento da aventura pelos túmulos de Londres e as catacumbas do castelo na Transilvânia. As adaptações eram as possíveis - no teatro, seria quase impossível reproduzir os dinâmicos momentos finais de Drácula, com aquele combate com o vampiro enquanto o sol se põe. Isso explica que Drácula, em teatro, se resuma a um drama de interiores, passado dentro da casa onde reside a jovem que Drácula elegeu para imortalizar, sugando o sangue.

O Drácula de que estou a falar hoje não foi a primeira adaptação do mítico vampiro ao cinema. Para isso temos a obra prima do cinema expressionista alemão, realizado por F. W. Murnau, que é Nosferatu, com a cidade de Hamburgo à mercê do vampiro, criatura monstruosa que se move por entre as trevas da noite. Anos mais tarde, o realizador alemão Werner Herzog realizou um curioso remake de Nosferatu, com a cidade de Hamburgo à mercê da peste que se move através do nevoeiro. O vampiro de Murnau é um monstro horripilante, que perdeu os traços da sua humanidade. É uma criatura totalmente diferente do vampiro elegante e hipnótico que nos fascina.



Para além da obra literária, foi o filme Drácula de 1931, realizado por Todd Browning (que havia já realizado outro clássico do cinema de terror, Freakshow) nos estúdios Universal. O filme, em si, é bastante entediante. Drácula é apenas baseado na obra homónima de Bram Stoker. O argumento do filme partiu de uma das adaptações teatrais da obra, o que nos garante muitas cenas clássicas de conversa em salas de estar. O que salva o filme do esquecimento são as cenas no castelo de Drácula, e as cenas em que Drácula, já em Londres, "acorda" no seu leito de terra da sua cripta. O início do filme é prometedor, com a viajem de Renfield (não Harker) à Transilvânia para fechar um negócio de compra de propriedades com o conde Drácula. Nessas cenas iniciais, somos mimados com cenas clássicas do cinema de terror, como a superstição dos camponeses da transilvânia, ou a carruagem do conde que levará Renfield ao castelo arruinado de Drácula. O castelo arruinado de Drácula é fascinante, com uma entrada em ruínas que nos revela um sumptuoso aposento onde Drácula finaliza os seus negócios com Renfield, onde pela primeira vez ouvimos da boca do vampiro a fabulosa frase "I don't drink... (pausa de mau augúrio)...wine.". É nesta fase do filme que se encontra a cena mais bizarra: para demonstrar a ruína do castelo de Drácula, o realizador mostra-nos cenas com aposentos arruinados cheios de teias de aranha. Mas em vez de ratos, os animais que vemos passear são armadillos, mamíferos couraçados que habitam os desertos norte-americanos. O que é que se terá passado na cabeça do realizador para incluir essa cena com armadillos na transilvânia (de uma incongruência impossívelmente tremenda) é uma questão que ainda hoje entretem os historiadores do cinema.

Outra razão do tédio deste Drácula prende-se com a evolução do cinema. Hoje, esperamos que um filme esteja carregado de cenas dinâmicas, mesmo em diálogos. E neste filme original, filmado com uma linguagem cinemática muito próxima do teatro, não temos muito disso.

Drácula, apesar destes detalhes, seria mais um filme de terror esquecido, mas a interpretação de um dos actores determinou uma fascinação por este filme que se tem mantido ao longo dos anos. Estou a falar, claro, de Bela Lugosi, que interpreta o Drácula que todos imaginamos, impecávelmente vestido com elegância europeia, com a sua capa e os seus olhos hipnotizantes, tudo isto rematado pelo seu sotaque eslavo.

Muitos Dráculas se seguiram a este Drácula. Nos anos trinta e quarenta, bem como nos anos cinquenta, filmaram-se dezenas de adaptações do conto clássico, cheias de variações perfeitamente kitsch (vai uma noiva de drácula?). Possívelmente, o mais bizarro destes filmes é o típico blackxploitation Blacula. Nunca o vi, mas pelo que já li sobre ele podem imaginar um Drácula negro, com penteados afro dos anos setenta, a morder o pescoço de voluptuosas princesas africanas em Nova York ao som de um groove funk/motown. Recentemente, Coppolla realizou um magistral Drácula, em que finalmente se mostrava algum respeito pela história original, e intitulado Bram Stoker's Drácula, para distinguir de toda a carga camp que Drácula adquiriu após centenas de filmes de série B.

Drácula tornou-se um dos pilares da cultura pop, aparecendo em alguns dos mais díspares produtos culturais. Como curiosidade, refiro que dois números do comic X-Men foram dedicados a uma luta entre os X-Men e Drácula, em que Ororo, a rainha dos ventos, é mordida e transformada numa noiva de Drácula.



Setenta anos depois deste primeiro Drácula, a imagem que associámos ao Conde Drácula é a de Bela Lugosi, olhando-nos com aqueles olhos inquietantes enquanto sai do seu caixão. Lugosi terminou a sua carreira com os filmes de série B de Ed Wood, mas a sua carreira de actor está para sempre ligada à imagem de um vampiro aristocrata, calculista e implacável, que nos atormenta através dos séculos.