sábado, 2 de dezembro de 2006

Pesadelos Vitorianos




Edith Nesbit, The Power of Darkness: Tales of Terror, editado por David Stuart Davies, Wordsworth, 2006

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Edith Nesbit é recordada como uma autora influente de livros infantis. É também recordada pela sua vida políticamente activa, como fundadora da Sociedade Fabiana - precursora do partido trabalhista inglês, pelos seus ideais socialistas e pela sua vida íntima... digamos que interessante, com o seu casamento aberto em que educa os filhos da amante do seu marido como se fossem seus.

Como escritora de literatura infantil, Nesbit foi pioneira no género de contos infantis repletos de aventuras mágicas num mundo que está a um passo da nossa realidade - a ideia no cerne de Narnia de C. S. Lewis ou do mais recente Harry Potter. Mas a obra de Nesbit não se resumiu à literatura infantil. A sua obra publicada inclui poesia e jornalismo - e, num pormenor que de acordo com a esclarecedora introdução desta colectânea é consistentemente esquecido pelos biógrafos da escritora, a obra de Nesbit também inclui contos de terror e fantástico.

Este The Power of Darkness: Tales of Terror reúne muitos dos contos que Nesbit escreveu, geralmente como forma de arranjar mais uns trocos para suavizar o orçamento familiar. São contos perfeitamente clássicos, dentro dos cânones do conto de terro, escritos com uma certa fleuma tipicamente britânica, com um cheirinho a old boys que tranquilamente contam as suas pequenas aventuras entre cachimbadas, repimpados nas poltronas de um clube exclusivo. Não são contos de leitura fundamental, nem desbravam novos campos do horror. São historietas simples, algumas mais fantasmagóricas, outras em que as manigâncias do oculto não passam de embustes atempadamente revelados nos últimos parágrafos do conto. Não encontramos nestas obras de Nesbit as visões de trevas de Edgar Allan Poe, o horror dinâmico de Bram Stoker, o terror oculto e científico de Arthur Conan Doyle (cuja obra, recordo, não se resumiu aos contos de Sherlock Holmes) ou os terrores cósmicos de Lovecraft.

O que torna estes contos interessantes é apontado logo nos primeiros parágrafos da introdução que precede o livro. Nesbit utilizou as histórias de terror que escrevia para exorcizar os seus dramas interiores advindos de uma situação familiar incomum e até bastante escandalosa nos tempos vitorianos. Isso explica as inúmeras histórias de amor trágico que provocam as assombrações ou sublinham o horror, como Man Size in Marble ou The Ebony Frame, ou as histórias de enganos e embustes como The Shadow ou The Pavilion.

Em Man Size in Marble assistimos às desventuras de um jovem casal apaixonado que vai viver para um delicioso chalet de campo numa aldeia, apenas para a mulher morrer às mãos de uma lenda local. Em the Ebony Frame um homem apaixona-se pelo fantasma de uma mulher que vê num retrato herdado e que recupera a vida através de um pacto demoníaco, e quando perde o seu amor infernal resigna-se a uma vida perfeitamente banal que para ele não passa de um sonho entediante. Em The Pavilion, uma erva assassina conjuga-se com a inveja e o amor despeitado entre dois amigos, num conto cheio de ironia - a heroína é uma rapariga normal, eclipsada pela sua amiga e confidente que pela sua beleza atrai todos os homens ao seu redor. A situação atinge proporções catastróficas quando dois amigos se apaixonam pela bela jovem, levando a que o que sente que os interesses desta não o incluem tente assassinar o seu melhor amigo, num estratagema em que o feitiço se vira contra o feiticeiro, acabando este por morrer, para grande pena da narradora, apaixonada por ele e também a única a saber do crime. Este conto tem também um sub-texto irónico, em que o casal de heróis - dois típicos exemplares das classes elitistas inglesas, loiros, elegantes e belos mas perfeitamente estultos e incultos. Parte da história revolve às voltas com uma lenda familiar descrita num diário escrito em latim. Há no livro um outro conto de natureza semelhante, In The Dark, em que dois amigos rivais pelo coração da mesma mulher se desafiam a passar a noite num museu de cera parisiense, em que o desafiador confia na ingenuidade e cobardia do seu rival mas acaba por ser surpreendido precisamente pela ingenuidade do rival, acabando os seus dias num manicómio. Em The Shadow, um caixeiro-viajante utiliza uma história horrífica passada num quarto da estalagem onde se encontra hospedado para enganar os convivas, e assegurar para si esse quarto que se diz assombrado, que é o melhor quarto da casa.

Outro pormenor curioso prende-se com o papel das drogas nos contos de Nesbit, com um conto perfeitamente cósmico - The Three Drugs, onde um fugitivo na noite encontra abrigo no lar de um cientista louco, que o força a tomar uma combinação de três drogas que o elevam a um êxtase cósmico e super-humano - para horas depois se desvanecer na loucura e na sordidez.

Os contos fanásticos de Edith Nesbit surpreendem não pelo seu conteúdo, perfeitamente dentro dos cânones deste género literário, mas sim pelos interessantes sub-textos que Nesbit introduziu, conscientemente ou não, nos seus contos. Não é uma obra essencial, mas para o conhecedor e amante de literaturas tenebrosas este é um livro a experimentar, tal como se degusta uma iguaria exótica para se ficar a saber ao que sabe. Terminando, não posso deixar de fazer uma referência à introdução de David Stuart Davies, que editou uma série de livros dedicados aos contos mais tenebrosos de autores insuspeitos. A introdução prima pela capacidade de nos fazer ler a obra de Nesbit à luz da sua biografia, tornando-se assim uma adição valiosa a esta colectânea.