quinta-feira, 16 de novembro de 2006
Os hóspedes
Dos quatro hóspedes felinos que me ocuparam o atelier com garras afiadas apenas me resta este. Os outros já estão devidamente entregues a donos que, devidamente, os irão estragar com mimos. Consta até que um dos felinos terá direito a um castelo só para si.
E só me resta este, o mais assanhado, o mais feroz, aquele que bufa e ataca sempre que alguém se aproxima. Infelizmente para a reputação dele, ontem aconteceu algo de maravilhoso: ganhei coragem, e larguei a fera no meu hall de entrada - o local da minha casa onde o animal tem menos hipóteses para se esconder. Esperei uns momentos, e fui observá-lo. Trepava alegremente em cima das grades da gaiola que lhe serve de cesto improvisado. Aproximei-me, insisti numa festa mesmo com o perigo dos dentes e das garras afiadas e... quando dei por mim, estava o animal todo feliz, a acariciar-se nas minhas mãos, a ronronar.
Em seguida, arrisquei um passo mais arriscado - deixei a cadela ir ter com o gatinho. Ora, para quem a conhece, a cadela é meio palmo de ferocidade - e tenho algumas cicatrizes que o comprovam. Temi o pior - uma cadela a ganir, cheia de arranhadelas, e um gato desfeito, com os seus restos mortais espalhados pela casa. Mas nada disso aconteceu. Desconcertada com as diabruras e os miados de coisa tão pequena, a cadela limitou-se a cheirar, vigilante, enquanto o gato ganhava confiança suficiente para... se roçar na cadela, a ronronar.
Em suma, o gato aprendeu, com pouco esforço, que nós não somos ameaça. Está domesticado, o que significa também que está sem defesas. Preciso mesmo de encontrar um dono para o animal, pois qualquer outra solução seria um acto de crueldade. E quanto às capacidades intelectuais do animal, posso dizer com propriedade que superam as dos meus alunos. Em dois dias, aprendeu a comportar-se.