Depois de ler aquele artigo sobre a forma como o cinema vê os cientistas, não deixei de reparar na eterna referência à ficção científica: grande parte dos cientistas tornaram-se cientistas porque a sua infância foi passada a ler ou a ver ficção científica. Quem cresceu com Isaac Asimov, Arthur c. Clarke ou as pulp magazines inspirou-se nos conceitos para lá deste mundo para se tornar cientista, e em alguns casos, autor de ficção científica.
O que isto reflecte é uma disponibilização de conceitos na cultura popular, mediática e acessível a todos pelo preço da revista ou do ligar do televisor. A FC não era o único conteúdo disponível, e certamente que muitos soldados se alistaram inspirados em clássicos camp como a A-Team (confessem lá, ó os da minham geração, que ainda se lembram do B.A.). Não quero com isto dizer que há uma ligação tão directa entre a cultura que consumimos e a pessoa que nos tornamos - isso seria admitir que não passaríamos de andróides programáveis por qualquer programa televisivo que estivesse mais à mão. Mas é inegável que há uma relação entre as imagens, os modelos de comportamento divulgados pela cultura popular da nossa infância e algumas das nossas escolhas de futuro. Sendo eu professor e não astronauta, pasando eu a vida a deturpar pequenas mentes ali para os vales saloios em vez de aventureiro do hiper-espaço sempre pronto a aniquilar selvagens alienígenas em planetas exóticos, creio que sirvo como exemplo dessa ligação ténue. Mas a minha apetência infantil por ficção científica, alimentada por séries como Espaço 1999 ou Battlestar Galactica traduziu-se num respeito (e gosto) profundo pela FC como campo literário e por uma cultura científica que se não me levou a uma carreira na àrea me leva a respeitar profundamente os conceitos científicos no dia a dia da minha carreira - fazendo coisas aparentemente tão díspares como falar aos meus alunos da teoria atómica quando os ensino a pintar, mas que enriquecem a cultura científica dos alunos (pelo menos a daqueles que não adormecem nessas aulas).
Mas estou a divergir. A pergunta que ando a fazer é esta: as crianças de hoje, adultos de amanhã, estão rodeados de uma paisagem mediática povoada por telenovelas, sem qualquer alternativa. Crescendo a ver, com a televisão a servir de lareias ao seu crescimento, quem dorme com quem quem se apaixona por quem quem compra o quê em vez de quem faz o quê e porquê, pergunto-me em que tipo de adultos se irão transformar?
(Faço só a pergunta, sem juízos de valor sobre o declínio das gerações futuras.)