Fala-se por aí que foi descoberta uma ligação entre a genética e as orientações sexuais, com um novo estudo que aponta causas biológicas para a heterosexualidade e para a homosexualidade. O passo seguinte será a habitual fanfarra e litania dos amantes e dos oponentes da homosexualidade. Uns ficarão ofendidos por pesquisas científicas que transformam o seu modo de vida num mero factor biológico, outros ficarão esperançados em curas contra essas doenças contra-natura. Mas, no fundo, tudo isto é irrelevante.
O mais chocante nas biologias e na genética é que quanto mais aprofundamos o estudo das componentes básicas da nossa biologia, mais nos vemos obrigados a confrontar as ideias que são os pilares da nossa sociedade, do nosso modo de vida, e da nossa maneira de nos definirmos como humanos. Alicerçados em noções setecentistas de liberdade pessoal, cremo-nos donos e senhores dos nossos destinos. Todo o ideário racionalista e determinista construído por pensadores como Locke ou Rousseau, base fundamental das nossas ideias sobre escolha, livre arbítrio e liberdade democrática, assenta na premissa que somos donos de nós próprios, que as nossas vontades se sobrepoem aos imperativos biológicos. Mas aquilo que a genética nos mostra é que comportamentos e atitudes que julgávamos saídos das nossas vontades e escolhas funcionam como meras programações biológicas. Ou seja, perante as arcanas programações biológicas codificadas nos nossos genes, a nossa vontade não é tão livre como a imaginamos e as nossas escolhas que cremos terem sido feitas livremente não passam de um colocar em prática instruções subreptícias.
Descobrir que não somos tão livres como pensamos terá um violentíssimo impacto na nossa sociedade futura. Mais do que o conhecimento puro conseguido com o avanço da ciência ou a promessa de curas que parecerão milagrosas aos olhos dos leigos não versados nas intricacias dos códigos genéticos, será este o legado fundamental dos novos paradigmas da genética.
As mudanças de paradigma podem parecer assustadoras, pois ao mudarem as nossas percepções e modos de ver, trazem consigo incertezas e inseguranças. No entanto, uma coisa é certa (e tem-o sido ao longo de milénios): a história da humanidade é composta de mudança.