Foi ontem o dia primeiro de maio, dia em que se comemora o trabalhador e os seus direitos. Há quem pense que reminiscências como o dia de ontem não têm lugar na nova economia e nos tempos modernos, sendo retrocessos aos velhos tempos dos ismos vermelhos. Mas a presente conjuntura económica mundial torna muito pertinente que nunca deixemos para trás comemorações como a do dia dos trabalhadores.
Na minha inocência, julgo que a economia é uma questão de interdependências. O dinheiro que eu ganho, gasto-o a suprir as minhas necessidades e esse dinheiro circula, constituindo rendimento daqueles a quem eu adquiro bens e serviços, que por sua vez continuam o circuito adquirindo eles também bens e serviços. Não sou contra o enriquecimento, mas a distribuição equitativa garante a todos (ou a uma grande maioria) uma vida mais próspera e justa, em que o trabalho é recompensado. Na minha inocência, creio que esta noção de circulação de dinheiro como factor de justiça social e económica se aplica a vários níveis - desde o nivel local, com pequenos negócios de bairro ou de vila, até ao nível global, das multinacionais. Quando adquiro bens no comércio tradicional, estou a ajudar directamente o comerciante; mas quando o faço num supermercado, estou a ajudar a garantir o emprego aos funcionários do supermercado. É esta a minha visão da economia, como um movimento browniano de partículas financeiras que garante alguma prosperidade a uma maioria e uma boa prosperidade a alguns. Nada tenho contra a riqueza.
Infelizmente a realidade contradiz-me. O factor fundamental na economia não parece ser a circulação de dinheiro, mas sim a ganância. Todos os economistas defendem medidas que aumentam a riqueza de alguns em detrimento de todos. Torna-se comum ver economistas nos media a discursar como é bom haver OPA's, como é bom restringir salários, como é bom que as empresas se deslocalizem para países de mão de obra mais barata. Chegam até a defender o como é bom ter um emprego precário, ou ficar desempregado, como forma de requalificação pessoal. Chegam a mostrar curtos exemplos de requalidficação pessoal, em que desempregados altamente qualificados recriaram as suas vidas com novos negócios - e esquecem-se sempre de mencionar que a única requalificação possível para a quase totalidade dos desempregados é uma vida de vergonhas, de semi-pobreza, de subsídios e de ociosidade forçada por um mercado de emprego implacável. Geralmente, quem tem um emprego assegurado não tem grandes dificuldades em defender restruturações económicas.
Vivemos num mundo em que os direitos laborais estão sob ataque cerrado. Vivemos num mundo em que grandes empresas despedem milhares de pessoas sob a justificação de controle de custos, quando os seus quadros executivos auferem salários na ordem dos milhões. Vivemos num mundo em que a flexibilidade em busca do lucro cada vez mais fácil leva a despedimentos num país que se traduzem em baixos investimentos noutro. Vivemos num mundo em que o mais importante para uma empresa é estar cotada na bolsa, independentemente de produzir ou não - uma ideia levada ao extremo na orgia das dot.coms, empresas ligadas à internet. Tempos houve em que os grandes financeiros enterravam capital em empresas que surgiam do nada, com ideias de negócio no mínimo obscuras. Sabendo que estavam a investir em empresas sem futuro, mas sonhando que uma delas se tornasse a nova microsoft, torraram milhões em empresas que queimavam dinheiro sem mostrar qualquer resultado, acumulando dívidas sem mostrar qualquer produto. Os resultados foram os óbvios. Falências generalizadas e muito dinheiro evaporado. Os economistas chamam a isto de restruturação económica; eu, inocentemente, chamo-lhe de fraude.
Já disse, e repito, nada tenho contra a riqueza. Mas vivemos num mundo em que o fosso entre ricos e pobres está cada vez mais profundo. Sempre que a Forbes publica a lista dos 500 maiores milionários, fico estarrecido perante a riqueza acumulada - e fico revoltado quando leio as notícias económicas e sei que a acumulação de biliões foi feita à custa de cortes salariais, desinvestimento e deslocalização.
Fico também muito furioso quando vejo os lucros obtidos pelas maiores empresas portuguesas. A PT, a EDP, a Galp e as instituições bancárias estão a ter lucros cada vez mais astronómicos - são, como se diz nos ambientes rarefeitos da alta finança, players, ainda pequenos à escala mundial, mas já a valer alguma atenção. Lucros milionários, e fáceis - temos as chamadas telefónicas mais caras da europa, a energia mais cara, os combustíveis mais caros, e as instituições bancárias que pagam menos impostos. Enquanto a nós nos pedem sacrifícios, eles enriquecem aos milhões de cada vez.
Está na hora de dizer que nada tenho contra o capitalismo. Apesar de tudo, foi o capitalismo que proporcionou a prosperidade que gerou a maior explosão de justiça social na história humana. A distribuição equitativa de riqueza é inútil se não houver riqueza para distribuir. Mas o capitalismo conseguiu aquilo em que o comunismo, por exemplo, falhou, devido a políticas sociais que aliavam a prosperidade capitalista a distribuição de riquezas (reformas e seguranças sociais) alicerçado em direitos laborais. Nestes últimos tempos, o ideário de uma globalização selvagem aliada à ganância digna dos maiores financeiros de Wall Street está a fazer um ataque cerrado a todos os ideiais de justiça social.
Dizem que a justiça social não é competitiva. Que se ganha mais com o desabar das barreiras que têm garantido alguma prosperidade e qualidade de vida a uma boa parte da humanidade. Mas quem é que realmente ganha mais com isso? Todos, ou uma élite cada vez mais enriquecida e desdenhosa da massa de humanidade em cuja exploração a sua riqueza assenta?