Um destes dias, andava a remoer pensamentos às voltas com as lendas pagãs cristianizadas de Vénus e Tannhauser ou os evangelhos gnósticos recém-divulgados que atribuem a Judas um papel oposto àquele que históricamente lhe tem sido atribuído. A minha cabeça andava a ruminar pensamentos às voltas com as mitologias judaico-cristãs e, de repente, um clique: há uma razão para o islão ser uma religião tão perigosa.
Apesar de todos os seus defeitos, é de observar que a religião cristã sempre se soube adaptar às necessidades dos povos locais. Roma reinava, é certo, mas as mitologias às voltas da religiosidade cristã adaptaram elementos de outras religiões. Grande parte dos santos católicos são cristianizações de divindades pagãs - o exemplo mais clássico é o culto tão mediterrânico da virgem maria, uma cristianização dos velhos cultos pagãos sobre a fertilidade e os mistérios da mulher. Outro exemplo, exposto com grande fanfarra, envolve as ligações mais do que simplesmente pictóricas entre a representação da virgem com o menino ao colo e as representações egípcias de ísis com hórus ao colo. Outro exemplo típico desta capacidade do cristianismo adaptar elementos de tradições pagãs prende-se com os feriados religiosos - o natal cristianizou o solstício de inverno, a páscoa cristianizou os rituais de sagração da primavera. Os exemplos deste sincretismo cristão são mais do que muitos. É certo que o cristianismo sempre se colocou numa posição de dominância; mas também soube adaptar as antigas tradições, dando-lhes uma nova roupagem. Nesse aspecto, o cristianismo é um meme bem sucedido: prevaleceu, dominando e co-optando outros memes de carácter religioso.
O islão não tem essa capacidade. O islão baseia-se nas hadiths contidas no corão, e os versículos são muito específicos - não há outro deus que não allah, não há outra religião que não o islão. Reside aqui o perigo, a razão do cego fanatismo islâmico. Enquanto meme, o islão não tem a capacidade de co-optar outros ideários, outras tradições. O seu objectivo é aniquilar tudo aquilo que considera falso e impuro. O seu único obstáculo prende-se com as vontades e as tolerâncias humanas. A tolerância dos senhores islâmicos de terras habitadas por judeus e cristãos é um facto histórico, muito citado recentemente.
Estas ideias não passariam de meras sinapses entre os meus neurónios, não se desse o facto de hoje vivermos uma estranha época de prenuncio de guerra religiosa, entre os memes fundamentalistas que interpretam o islão à letra, e os memes fundamentalistas que interpretam a bíblia à letra, sem a felxibilidade que caracterizou a dominância da religião cristã.
A vantagem se ser ateu é que vejo qualquer religião como um meme com um conjunto de mitos agregados. Livre das irracionalidades da interpretação literal de fantasias mitológicas, é possível perceber o porquê dos maus ventos e dos sinais de fogo que percorrem o planeta. Agora, bom seria era evitá-los.