sexta-feira, 28 de abril de 2006

Sons

Esta manhã, durante os rituais rotineiros da barba, pequeno almoço e aquela confusãozinha de quem tem que se apressar para ir trabalhar mas realmente não lhe apetece, fiquei fascinado a ouvir a música de Nino Rota na Antena 2. Sim, ouço a Antena 2, que é muito mais interessante do que aquela noção de rádio elitista que só passa músicas obscuras apreciadas apenas por conhecedores profundos. Não, não ouço outras rádios, com os seus incessantes gagarejares de ideias feitas e piadas estafadas. A Antena 2 tem-me surpreendido, pois equilibra peças conhecidas de música clássica com peças mais obscuras, e porque não se limita à música clássica. Tenho ouvido coisas tão díspares como jazz moderno, blues clássico, space music, experimental contemporânea e até pop dos anos 30, 40 e 50. Decididamente, a Antena 2 presta um verdadeiro serviço público... e até é das rádios que mais música portuguesa passa, desde Carlos Seixas e Luis de Freitas Branco ao novo jazz que por cá se faz.

Mas estas minhas ruminâncias têm pouco a ver com rádio. Têm antes a ver com uma daquelas ligações mentais que, por vezes, se estabelecem entre duas ideias aparentemente díspares. Ao ouvir a música de Nino Rota, fui logo remetido para os filmes de Fellini - Rota foi o eterno compositor das bandas sonoras dos filmes de Fellini. E percebi como muito do que associamos aos filmes de Fellini tem a ver com a música. De um filme de Fellini espera-se estranheza, surrealismo, nostalgia e algumas bizarrias; e nunca nos lembramos de como essas sensações que os filmes de Fellini despertam estão envolvidas na música por vezes feérica, por vezes quase infantil, que Rota compunha para Fellini.

Nunca ligamos muito à música que acompanha um filme, graças ao populismo comercial do cinema de centro comercial, mas a verdade é que um bom filme é-o não só pelo seu argumento e pela sua fotografia, mas também pela sua banda sonora - um conceito que filmes como Tuvalu ou Underground levam á conclusão lógica - um filme delirante como Underground seria muito menos delirante sem a loucura musical que o pervade.