segunda-feira, 27 de março de 2006

Tempo

Mudam-se os tempos... ou muda-se a hora, mais precisamente. Esta manhã não deixei de me sentir defraudado pela mudança da hora. Acordei, e tudo no dia me indicava que era uma boa e fresca hora mais cedo do que o que o relógio indicava. Seis e meia?!?, pensei, irritado. Isto tem mais ar de cinco e qualquer coisa, ainda perto das quatro...

Nunca consegui reunir vontade para dedicar alguma ínfima parte do meu elevado nível de processamento cerebral à compreensão das mudanças horárias. Tenho inclusivamente o sentimento que fazê-lo seria condenar alguns neurónios ao desperdício. Desculpem lá, mas esta é uma daquelas ideias que eu não consigo compreender. Consta que envolve algo com a alteração da hora legal para permitir a poupança de energia, o que em si é um objectivo louvável, especialmente nesta época em que o ambiente se encontra em tão maus lençois. A ideia é boa, e gosto especialmente de ver aproximar-se o fim de tarde no relógio, olhar pela janela e perceber que o sol ainda está longe de se pôr. Agora, não me façam perguntas difícieis como saber se a hora adiantou ou atrasou. Sempre que penso nisso, o meu cérebro fecha-se em copas, dá uns volteios de malabarismo e remata com uns passeios nos trapézios.

Sorte minha que fui avisado. Os media fizeram questão de anunciar a mudança da hora; fiquei, também, a saber que tal gravosa medida este ano só se tornou possível graças ao generoso patrocínio de uma marca de cervejas (terão cortado o orçamento ao organismo estatal designado para tomar conta destas ocorrências?). Fui obrigado a mudar à mão as horas dos meus relógios - menos o do carro, que andou nostálgicamente durante todo o inverno na hora de verão. O meu pda avisou-me simpáticamente que se havia alterado a hora.

O meu computador mudou a hora e não me disse nada.

Este pequeno pormenor levou-me a pensar que nós só sentimos a mudança da hora porque de tal fomos avisados. Se nos deitamos à meia noite, e acordamos ao meio dia a pensar que são onze horas é porque estamos conscientes de que a hora alterou, já perdemos uma hora e ainda temos de nos dar ao trabalho de acertar a porcaria do relógio. Agora, se todos os relógios se alterassem automáticamente, sem que os utilizadores disso dessem conta... acordaríamos, olharíamos para o relógio, e aquele sentimento de hora perdida desvanecer-se-ia.

Esta ideia abre todo um novo espectro de aplicações para as alterações à hora legal. Em vez de alterações sazonais, duas vezes por ano, as alterações poderiam ser efectuadas em qualquer momento, respondendo assim às exigências de uma rede eléctrica cada vez mais sobrecarregada. Com a rede longe da sobrecarga, aumentar-se-iam as horas de vigília sob pouca luz natural, para que as pessoas consumissem mais energia trabalhando, ou talvez em lazer. As sobrecargas, causadas por um uso excessivo de energia por muitas pessoas ao mesmo tempo, poderiam ser aliviadas com alterações selectivas da hora legal, trocando as horas às pessoas. A beleza deste sistema está no facto de ninguém se aperceber das alterações - os aparelhos mudariam automáticamente de hora de acordo com instruções da rede. Nem os próprios engenheiros que coordenam os sistemas eléctricos precisariam de saber - uma vez postos em prática, os protocolos informáticos e os sistemas artificiais inteligentes necessários tornar-se-iam parte integrante do sistema, uma realidade inquestionável.


(conterão os comprimidos anti-gripais alucinogéncicos?)