Não era a hora apropriada. Não devia estar ali, dentro da sala. A hora do intervalo deve ser sagrada, e eu deveria estar na sala de professores a fumar um cigarro e a beber um café, ritual regular dos intervalos entre aulas. Na sala de professores - fumadores, bem entendido, porque há outra sala para professores não fumadores, que mal frequento. Sem a protecção conferida pelo escudo do cigarro não me atrevo a lá colocar os pés. Mas tratava-se da manhã do último dia de aulas antes da interrupção carnavalesca e alguns alunos mais ansiosos aguardavam que eu lhes entregasse as máscaras que haviam modelado e pintado com tanto gosto.
Enquanto verificava o estado da camada de verniz sobre as máscaras que ia entregar aos alunos irrequietos, desejosos de levarem consigo os seus trabalhos, os alunos da turma a quem eu ia dar aula no final do intervalo aproveitaram a porta aberta para virem deixar as suas mochilas dentro da sala. Enquanto eu verificava quais as máscaras que tinham a camada de verniz perfeitamente seca e inodora, eles iam conversando comigo, contando-me as novidades do dia.
- Professor, - disse uma anasalada voz infantil - sabe, a Joana hoje é bébé. Faz hoje anos. É a nossa bébézinha...
- Uma bébé? Pois, minhas queridas, agora vou dizer-vos uma coisa que vos vai deixar muito chateadas - observei as carinhas curiosas - é que para mim, vocês são todos uns bébés...
Aos dez anos, as meninas gostam de se tratadas como umas senhorinhas. Vestem-se à moda, tentando parecer mais velhas, e desdobram-se em namoricos inconsequentes. Em compensação, os meninos gostam de ser considerados uns rapagões, uns valentes capazes de lutar contra tudo e todos. Chamar de pequeninos a esta malta que se quer crescida é opção arriscada.
- Mas no bom sentido. Bébés no bom sentido... porque estão a crescer, porque são simpáticas, não porque vos falte crescer...
- Então se é no bom sentido pode ser, professor... somos todos os seus bébés...