quinta-feira, 2 de março de 2006

Catatonia

Contráriamente à fama típica do professor de EVT, são raras as ocasiões em que me consigo sentar na secretária do professor, aquela peça de mobiliário localizada em qualquer sala de aula mesmo ao lado do quadro de ardósia. Falo na fama típica, porque todos se lembram daquele professor que entrava na aula, fazia a chamada, mandava a criançada fazer um desenhito e sentava-se na sua cadeira a ler o jornal. Conheci alguns, durante os meus tempos de aluno. No entanto, no final da última aula de hoje, foi impossível não me sentar. Ou, mais apropriadamente, colapsar. Mesmo assim, nada intimidada com o meu visível cansaço, aproxima-se uma aluna.
- Ó stor, eu não consigo fazer aqui esta coisa destes arcos para a mediatriz. Isto não dá!
- Dá, dá - retorqui - estás é a colocar mal o compasso. Faz assim e... - peguei no compasso e demonstrei - pronto. Dá ou não dá?
Enquanto a aluna olhava para o exemplo, percebendo o que lhe faltava para fazer tudo bem, fomos súbitamente interrompidos .
- É a minha avioneta!
Tão inusitada interrupção veio do aluno que está mesmo à frente da secretária. É um daqueles alunos cujas emoções e comportamentos variam de acordo com a medicação tomada. Não digo isto com qualquer ponta de malícia ou de desagrado perante crianças medicadas com tranquilizantes. Muitas há que tomam tais comprimidos e não necessitam; e existem alguns que necessitam mesmo de tomar os fármacos psicoactivos receitados pelos psiquiatras. Este meu aluno é uma dessas crianças. Tanto oscila entre a electricidade total (dose fraca de medicamento) como pela quase catatonia (dose forte).
- O quê, Fábio? Avioneta?
- É, stor, ela é a minha avioneta, e eu sou o avião a jacto dela. Pois foi isso o que ela me disse.

Fiquei, por momentos, catatónico.