segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Scanners

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IMDB | Scanners (1981)
ESplatter | David Cronenberg Profile

Um dos primeiros filmes de David Cronenberg, Scanners é um thriller com retoques gore às voltas com o tema da telepatia.

O telepata costuma ser representado na cultura popular como um ser moralmente superior, que raramente utiliza os seus dons para o mal. É contido e conciso, e o seu talento é tudo menos físico. Tudo o que ele precisa para ler as mentes dos outros é de um pouco de concentração. Em Scanners, toda esta premissa é virada do avesso. No universo gerado por Cronenberg, a telepatia é um dom físico; a leitura telepática de uma mente é um processo doloroso quer para o telepata quer para a vítima.

Um dos aspectos mais interessantes na visão de Cronenberg, e comum a todos os filmes, é a sua ideia de transcedência da carne. Em Crash, essa transcendência era conseguida através da fusão do corpo com o automóvel, operacionalizada através do acidente de viação. Em Videodrome, a transcendência era operacionalizada através da influência do sinal de video na mente humana. Em A Ninhada, a metamorfose da carne está encerrada na psique humana, e a análise psicológica borderline despoletava a transformação corporal. Em Scanners, o processo de telepatia tem como efeito secundário a dolorosa transformação física do corpo, uma ideia levada ao seu extremo no final do filme, em que a batalha final entre os dois mais poderosos telepatas culmina na transferência de mentes.

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O argumento de Scanners resume-se simplesmente. Cameron Vale, um vagabundo com sérios problemas psicológicos, é raptado por funcionários de uma corporação que se dedica à pesquisa de novos aramamentos. Aí conhece o Dr. Paul Ruth, que lhe explica que Cameron é um scanner, um telepata com o poder de alterar a mente das pessoas, e o ensina a dominar o seu talento. Em seguida, Ruth coloca Cameron nas ruas, à caça do seu arqui-inimigo, o super-poderoso telepata Darryl Revok. Revok tornou caça a scanners, com a eliminação dos que não se curvassem perante a sua vontade, a missão da sua vida, e o seu grande objectivo é gerar novos scanners, criando assim um exército de sobre-humanos capaz de dominar o planeta. Nas suas buscas por Revok, Cameron depara-se com a cultura subterrânea dos scanners, que se divide entre aqueles que preferem viver vidas pacíficas e a organização malévola de Revok. Cameron também descobre que o fenómeno dos scanners se produziu após a venda indiscriminada de um medicamento que acalmava mulheres grávidas. O medicamento era aparentemente inócuo, mas produzia estranhos efeitos secundários nos recém-nascidos, que mais tarde se viriam a tornar scanners. O plano de Revok consiste em reiniciar a produção do medicamento, dado a mulheres grávidas sem que estas soubessem por médicos corruptos, criando assim uma nova geração de scanners sob o seu controlo.

Scanners mistura teorias estranhas sobre a psique com teorias de conspiração, ideias sobre grandes corporações tentaculares cujo único objectivo é o lucro a todo o custo, perversões geradas por cientistas pouco preocupados com o impacto real das suas criações, com cinema de acção. É, por isto, um filme um pouco desconexo, e não constitui, quanto a mim, um dos marcos da obra de Cronenberg. Vale, essencialmente, pelas duas grandes cenas gore: logo no início, em que somos recompensados com a visão de uma cabeça a explodir, resultado da invasão mental de um scanner; e o grande confronto final entre Cameron e Revok, uma luta mental de contornos edipianos repleta de mutações corporais, deformações e combustões, que termina numa tremenda reviravolta final. O corpo de Cameron morre, queimado, mas a sua mente aloja-se no corpo de Revok.

Scanners foi um dos primeiros grandes sucessos do cinema canadiano e inspirou algumas sequelas, criativamente intituladas Scanners II e Scanners III, que elaboram no tema da tentativa violenta de controle do mundo por uma élite sanguinária de telepatas. Estes, eu definitivamente não recomendo. Quanto a Scanners, vale a pena mais conhcer o filme como uma forma de perceber como evoluiu a mente de Cronenberg.