terça-feira, 24 de janeiro de 2006
Videodrome
IMDB | Videodrome (1989)
Wikipedia | Videodrome
Senses of Cinema | David Cronenberg
Realizado em 1983 por David Cronenberg, Videodrome é um perturbante filme de culto que revolve às voltas com as influências da imagem video na mente humana. Videodrome desafia as nossas espectativas, e abre-nos a mente para ideias estranhas e bizarras, sendo também uma estranha premonição de futuro: basta substituirem a tecnologia video pelas nossas correntes tecnologias digitais, e Videodrome torna-se numa estranha previsão do futuro virtual da humanidade.
Videodrome segue o percurso em queda livre de Max Renn, um pouco escrupuloso director de um pequeno canal de televisão por cabo, a Civic TV, especializada em conteúdos pornográficos softcore a roçar o hardcore. Numa tentativa de aumentar as audiências, Max está sempre à procura de produtos novos, que testem os limites, que vão sempre um pouco mais além daquilo que já é oferecido. Quando descobre, através da pirataria de feixes hertzianos de Harlan, um dos seus funcionários e prototípico hacker, uma emissão que é constuída apenas por torturas e assassínios de cariz sexual perpretados numa simples sala vermelha, Max Renn fica fascinado. Esta emissão, simplesmente intitulada videodrome, é para ele o futuro do seu canal. Ao tentar descobrir quem realiza este programa, Max Renn cruza caminhos com estranhas personagens que vivem à margem de uma cultura audiovisual centrada no ecrã de televisão. Vê-se assim num campo de batalha em que se degladiam Brian O´Blivion, um teórico/teólogo da transcêndencia da humanidade através do video (uma personagem perfeitamente inspirada pelo influente teórico cultural que foi Marshall Mc Luhan) e os interesses ocultos da corporação multinacional que produz o videodrome. Para mais, envolve-se com Nicky Brand, estranha personalidade da rádio, fascinada pelo masoquismo, que se sacrifica ao procurar ardentemente entrar no videodrome. O´Blivion envangeliza o mundo através de uma organização que oferece acesso à televisão para sem abrigos; a corporação que controla o videodrome nunca chega a revelar os seus motivos.
O sinal video de videodrome gera alucinações na mente de Max Renn; o seu corpo começa a sofrer mutações físicas. Numa das cenas mais arrepiantes, Max Renn é programado através da inserção de uma cassete de video viva, que respira e se remexe nas mãos dos programadores, num orifício estranhamente vaginal que se abre no seu peito. Noutra fascinante cena, a mão de Max Renn trasmuta-se num apêndice biomecânico, fundindo-se com uma arma. Como toda a história é contada sob o ponto de vista de Max Renn, nunca percebemos se as alucinações são ou não reais; na mente de Renn, as fronteiras da realidade dissolvem-se, as imagens televisivas sobrepõem-se às imagens reais. A televisão tornou-se a retina dos olhos da sua mente, parafraseando a frase favorita de O'Blivion; e Max Renn prepara-se para transcender a sua humanidade e trasformar-se na nova carne.
Videodrome apresenta as duas obsessões que pervadem a cinematografia de Cronenberg, a intersecção sangrenta entre a tecnologia e as bizarrias da mente humana, que desafiam a noção de realidade, num choque frontal que visceraliza a banalidade televisiva. Videodrome, ao debater as fronteiras entre a realidade e a virtualidade, preconizou as noções que nos são tão queridas de "realidade virtual" e "realidade aumentada", em que os dados digitais se sobrepõem às percepções dos nossos sentidos para gerar a realidade que a nossa mente percepciona. Mais recentemente, Cronenberg realizou ExistenZ, que de certa forma actualiza os temas de Videodrome, explorando as intersecções físicas e mentais entre a realidade e a virtualidade, levando-nos a questionar se o que vemos e pensamos é, realmente, real. Videodrome também apresenta um James Woods fabuloso como um Max Renn ganancioso e sedicioso, capaz de rastejar nos esgotos em busca de lucro, e Debbie Harry, vocalista dos Blondie, como uma fria mulher fatal que é aniquilada pela sua busca de prazeres cada vez mais perigosos.
Videodrome é um filme fascinante, se bem que um pouco desconexo, com impecáveis toques gore. Apesar de baseado em tecnologia datada, hoje em vias de extinção, as questões que Videodrome levanta sobre a nossa percepção da realidade são mais válidas do que nunca.