domingo, 15 de janeiro de 2006

King Kong



King Kong
IMDB | King Kong (1933)
IMDB |

Tive ontem à noite o prazer de ver o novo filme de Peter Jackson (realizador da trilogia O Senhor dos Anéis e de Bad Taste), na companhia de bons amigos. A cópia do filme, típico dvd ilegal comprado nas feiras e gravado segundo o velho e nada discreto método de apontar uma câmara de video para o ecrã de cinema, tinha uma imagem bastante má, o que dificultou a leitura da obra. É por estas razões que não sou grande fã dos dvds do cigano. No fim de contas, não comeria nada que me soubesse mal; a ideia de ver um filme que se vê mal não me apela.

King Kong é um filme fascinante. Se há alguma crítica negativa a fazer, é de o filme é um pouco longo - são duas horas e meia para contar a história de um macaco gigante que destrói a baixa de Nova Yorque. O filme original, dos anos trinta, se não estou em erro, é muito mais curto. O alongar do filme deve-se ao contar de uma história que empresta realismo e verosimilhança ao filme. Se bem que, realismo e verosimilhança num filme sobre macacos gigantes (gorilas, é certo) que se degladiam com dinossauros e se penduram no topo do Empire State Building para defender uma mulher... enfim, convenções de hollywood. It's go to look real!

Mas o alongar do filme é mais do que compensado pelas soberbas sequências em que King Kong aparece em todo o seu esplendor. Todas as cenas desde a chegada à mítica Skull Island até ao regresso a Nova Yorque são, simplesmente, fabulosas. Aí, Peter Jackson excedeu-se. Armado com uma equipe dos melhores especialistas em efeitos especiais e animação digital, ofereceu-nos imagens arrebatadoras, que homenageiam não só o King Kong original, mas também toda a cinematografia de série B dos anos 50, repleta de insectos gigantes e aranhas radioactivas e, inclusivamente, nas cenas em que Ann (a heroína do filme) desenvolve uma ligação afectiva com o gorila gigante, ao filme inspirado na vida e obra de Diane Fossey, que dedicou a vida a estudar os gorilas africanos, Gorilas na Bruma. Skull Island, retratada no filme original como uma simples maloca africana com uns nativos de típico esterótipo africano, aparece nesta versão como um deprimente local de uma arquitectura natural temível, habitada por uma violenta tribo que se assemelha muito aos maoris neo-zelandeses - o que não surpreende, pois Jackson é neo-zelandês. Já na trilogia O Senhor dos Anéis, se repararem com atenção, se percebe que Jackson se inspirou nos maoris para criar o aspecto do orcs. A ilha é um verdadeiro mundo perdido (detectando-se aqui uma homenagem à obra clássica de Arthur Conan Doyle), habitada pelo gorila gigante e por uma fauna típica do Cretássico. Tranquilos brachiossaurus coabitam com assassinos t-rex e uma fauna simplesmente nojenta de insectos gigantes - baratas e gafanhotos do tamanho de pequenos cães, centopeias gigantes, aranhas do tamanho de homens e sanguessugas arrepiantes, capazes de devorar homens (que também homenageiam os míticos shoggots de H. P. Lovecraft). As cenas dos insectos gigantes estão fabulosas, e representam o concretizar dos sonhos de todos os realizadores de filmes de série B que tiveram de se contentar com a mera sugestão, por vezes perfeitamente ridícula, dos monstros que aterrorizavam os títulos. Imaginem Ed Wood com computadores, imaginem o que seria se o Marabunta, Attack of The Giant Spider, It came From Outer Space ou The Beast From 5000 Fathoms tivessem sido filmados com monstros reais. A luta entre Kong e os gigantescos Tiranossauros, uma homenagem óbvia aos filmes da série Godzilla, está simplesmente fabulosa.


O original, de 1933

A animação digital é da melhor que já vi. Desde as sequências de monstros até à recriação de Nova Yorque nos anos 20, o realismo é convicente e a qualidade excepcional.

O final do filme é comovente. A morte de King Kong, sacrificando-se, na cidade estranha, para proteger a heroína do filme do ataque implacável dos biplanos que o metralham constantemente (aviões Stearman PT-5, pareceu-me) traz lágrimas aos olhos dos espectadores.

Em suma, este filme de Peter Jackson é um scherzo, uma brincadeira feita por um realizador no topo da sua carreira, que aqui homenageia todos aqueles que o inspiraram - desde a fotografia de Berenice Abbott, que retratou Nova yorque nos anos negros da grande depressão, até aos incontáveis realizadores de filmes de monstros, criadores de efeitos especiais fascinantes (como Willis O'Brian, mentor de Ray Harryhausen e criador do King Kong original) e aos criadores de mundos fantásticos e realidades alternativas. Com uma vénia profunda ao King Kong, hoje e sempre, o Rei.