Aproximam-se as eleições. No dia 22, iremos todos exercer o nosso direito e dever cívico, elegendo um novo presidente da república. A tarefa parece-me um pouco complicada: é que a coudelaria que se apresenta na corrida eleitoral é, no mínimo estranha.
O candidato que tem a vitória assegurada, Cavaco Silva, aposta num regresso messiânico aos bons velhos tempos dos anos noventa, em que os fundos estruturais da união europeia fluíam como um rio para os bolsos portugueses. É possível que se lembrem; foram os anos do betão e do alcatrão, foram os anos dos escândalos financeiros na bolsa de valores e dos processos de corrupção levantados a altos membros do cavaquismo que anos depois foram milagrosamente arquivados.
Mário Soares vai ser penalizado pela sua veleidade em não se deixar morrer no esquecimento. O sentimento comum é que, apesar das suas virtudes e defeitos, o cargo de presidente da república não é exactamente uma antecâmara da sepultura. Para complicar, Soares também apostou numa postura messiânica, de grande salvador da pátria. Da grande personalidade portuguesa. Mas se isto é o melhor que Portugal tem para oferecer, estou a ficar com vontade de mudar de nacionalidade.
Jerónimo de Sousa representa os últimos estertores de um partido esclerosado e desajustada dos tempos contemporâneos. O partido comunista tornou-se um anacronismo após a queda da união soviética, e o facto de lançar um candidato presidencial é um sinal de que ainda mexe. Mas reparem bem na quantidade de cabelos grisalhos que abundam nos seus comícios.
Manuel Alegre começou por surpreender. Ao ver-se preterido e traído pelo partido ao qual foi sempre fiel, lançou-se numa candidatura em nome das alternativas e da cidadania. O problema é que sempre que abre a boca, estas palavras saem distorcidas pela voz de um apparitchik do aparelho partidário que se sente despeitado por as suas pretensões e ambições terem sido postas de parte pelos amigalhaços. Para mim, cidadania e alternativa pouco têm a ver com ambições desmedidas. Mas quem sou eu para contrariar o bardo do parlamento, o Camões do 25 de Abril?
Garcia Pereira merece o meu respeito. É o eterno candidato que sabe perfeitamente que não tem qualquer hipótese de ser eleito. Mas também não é essa a ambição. Antes, Garcia Pereira opta por aproveitar a campanha eleitoral para lançar luz sobre as injustiças do país. O problema com este candidato é representar um partido fóssil, dos velhos tempos do maoismo. Soa estranho, ouvir um maoista a falar de liberdade, especialmente sabendo o que realmente foi o maoismo. Basta dizer que o partido comunista chinês ficou altamente aliviado quando Mao morreu. Mas é de louvar o papel de Garcia Pereira como advogado de direitos laborais e voz discordante da sociedade portuguesa.
Francisco Louçã representa a esquerda moderna, jovem, urbana e indefinida. É impossível concordar com todas as suas ideias, mas ganha pontos pela clareza do seu discurso e pela franca modernidade do seu ideário. Também tem poucas ou nenhumas hipóteses de vencer, mas agita as àguas e os discursos. Só me surpreendem as suas relações familiares com um ministro que anda a semi-privatizar a saúde, uma vez que Louçã é conhecido pelas suas posições favoráveis a um sistema de saúde totalmente público, em nome da igualdade de oportunidades. Enfim, é a política à portuguesa: os adversários são grandes amigos de infância, que andaram na escola juntos, foram às mesmas festas, tiraram os mesmos cursos, e agora divertem-se na calma arena política nacional.
Mesmo assim, votem. É um direito, e um dever.