terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Copiar...

... ou não copiar, eis a questão!

Agora que lancei este blog no mundo dos blogs que oferecem música em formato mp3, convém deixar aqui umas ideias bem claras sobre a pirataria informática. É muito fácil, nesta era de instantâneos digitais, onde uma verdadeira cornucópia de música, programas, filmes, livros e informação está on line, disponível para download com uns simples cliques, encher discos rígidos com informação pirateada. Não só é fácil, como é corriqueiro, e quase considerado normal. Qual de nós não tem entre a sua colecção de mp3 algumas centenas de mp3 capturados ao kazaa ou a qualquer outro serviço de torca de ficheiros que possibilita a pirataria online? Mea culpa, também tenho alguns.

A resposta dos governos e das indústrias afectadas é o erigir de potentes barreiras tecnológicas e legais à troca de ficheiros e à pirataria. Já começa a ser possível ser processado por disponibilizar online alguns mp3 (alguns milhares, bem entendido). Quanto às indústrias mais afectadas, e falo aqui das grandes editoras de música e dos grandes estúdios de cinema, essas optaram pela restrição em software da música e dos filmes que nos vendem, e sob a capa da diminuição de lucros, tentam ir mais além no controle finaceiro sobre aquilo que vemos e ouvimos. Alguns dos esquemas anti-pirataria propostos por estas entidades mostram um compromisso assumido com um lucro. Faz parte dos seus objectivos extinguir todo o uso não comercial da propriedade intelectual, colocando um preço (mínimo, é certo, mas mesmo assim um preço) sobre qualquer utilização de propriedade intelectual. Imaginem terem de abrir uma conta online para ouvirem uma canção sempre que quiserem, pagando sempre que carregarem no play. Imaginem terem de pagar para ver mais do que uma vez aquele dvd que compraram. Imaginem, e este é o toque que mais me preocupa, que podem ser processados por exibirem na vossa sala de aula um filme importante, ou para a matéria abordada ou para expandir os horizontes dos alunos, apenas porque o licenciamento do filme restringe enormemente as suas utilizações (leiam com atenção as letrinhas pequenas das mensagens sobre direitos de autor que abrem qualquer dvd).

Também não parece ocorrer às grandes editoras de música ou aos grandes estúdios que a razão da diminuição dos seus lucros, que eles, com grande alarde, atribuem exclusivamente à pirataria, possa talvez ter a ver com a perfeita vacuidade intelectual dos produtos culturais que eles tão agressivamente promovem. Curiosamente, nesta época de pirataria alastrante nos novos mares do ciberespaço, as pequenas editoras, que apostam em produtos culturais de qualidade, e os fundos de catálogo das grandes editoras, com aqueles artistas que já não suportam uma exposição massiva ou aqueles filmes obscuros amados por uma imensa minoria, têm as vendas em alta.

Não quero com estas palavras limpar a imagem da pirataria online. Não adiro à teoria de que a propriedade intelectual deva ser totalmente livre. Porque é fácil, para mim, que tenho um rendimento fixo de um emprego, filosofar sobre a propriedade intelectual, e concordar que toda a informação deve ser livre. É muito bom ligar à internet e começar a descarregar livros, música e filmes de graça. Mas ao fazê-lo, esqueçemo-nos daqueles que vivem da propriedade intelectual. Não falo dos intermediários que pululam nos departamentos das editoras musicais e dos estúdios de cinema. Falo sim dos escritores, dos músicos, dos compositores, dos actores, dos técnicos de efeitos especiais, de todos aqueles que produzem a propriedade intelectual que tanto nos fascina, e que tentam viver da sua produção. Eles são sempre os maiores prejudicados, quer pelas manigâncias de uma indústria cultural manipulada por grandes empresas apenas interessadas em maximizar os lucros, sem qualquer interesse pela qualidade do que vendem, quer pelas acções desconexas mas combinadas graças à vasta internet do download gratuito de música pirateada.

Sendo professor, uso muitas vezes a expressão dar aulas. Mas nunca me ocorreria dar, realmente, aulas. Não ocorre a nenhum profissional trabalhar gratuitamente na sua àrea de especialização, a tempo inteiro. Porque é que irresponsávelmente exigimos que os músicos, os cineastas e os autores que tanto prazer nos dão o façam gratuitamente?

Quanto ao software, o caso já muda um bocadinho de figura. As grandes empresas de software sobrevivem à custa dos clientes empresariais. A lógica é directa - se o software ajuda a lucrar, é perfeitamente ilegal que seja pirateado. Quanto aos utilizadores que utilizam programas que foram forçados a piratear, talvez seja de perceber que os custos do software para um utilizador final são demasiado elevados. Nalguns casos, há boas alternativas open source, noutros nem por isso. Aqui, torna-se mais uma necessidade, e a consciência alivia-se pelo facto de o software não ser utilizado para criar lucro.

Disse isto tudo, e ando a oferecer mp3 para download do blog? Não haverá por aqui uma incoerência? Não. Não creio que a informação deva ser totalmente livre e gratuita, mas creio que a informação deva ser partilhada. Colocar online, num blog ou página dedicada, alguns mp3, clipes de filme, excertos de textos ou contos curtos não são uma forma de pirataria. São sim uma forma de atrair a atenção para artistas que estão a cair no esquecimento, ou a bons artistas aos quais não é prestada a devida atenção nesta nossa paisagem mediática. É uma forma de despertar a atenção para ideias que não são muito divulgadas. Por outro lado, se oferecesse albuns inteiros para download, ou filmes completos, ou livros inteiros, aí sim teria ultrapassado a barreira que separa a divulgação cultural da pirataria. Mesmo que não retire lucro dessa actividade, ao disponibilizar gratuitamente a obra de um autor online estou a diminuir a quantidade de comida com que esse autor pode rechear o frigorífico.

A internet tem estes dois lados que tanto se confrontam. Se não fossem os blogs de mp3, nunca chegaria a sequer imaginar que existia muita da boa música que hoje ouço. Mas que música é essa? Grandes sucessos das grandes bandas promovidas pelas grandes editoras? Não; composições de bandas novas, ou música que apenas interessa a imensas minorias, demasiado rarefeitas para que interesse a alguma loja de música importar um ou dois cd's de venda nada assegurada. Experimentem procurar autechre, the monks, professor longhair, les baxter ou telefon tel-aviv nas prateleiras cheias de música comercial que povoam qualquer lojeca que venda cds.