Luís Represas ao vivo no Casino do Estoril
Site Oficial de Luis Represas
Casino do Estoril
Já não se espera muito de Luís Represas. A obra deste músico é perfeitamente consistente. Ele tem a sua veia, a sua onda musical, e segue-a sempre. Não é particularmente inovador, mas também não é isso que se espera dele. Dele espera-se aquela lírica mistura de poesia com dedilhares de viola, cheia de acordes suspensos e palavras meditativas. Ver ao vivo, ou ouvir em disco, é sensívelmente o mesmo, se bem que ao vivo há sempre espaço a improvisações e a variações sobre os temas já bem conhecidos e cantados em coro pelo público.
Devo admitir que soube bem. Foi um concerto tranquilo, um xanax musical onde se reviveram as grandes (e velhas) canções de Represas e companhia. Não foi particularmente inspirador. Não foi um daqueles concertos onde a música nos surpreende (como os lendários morphine no seu primeiro concerto em portugal) ou nos electriza (como num concerto memorável dos Young Gods). Foi um concerto para se ir ouvindo, debicando tranquilamente uma bebida favorita. Sabe sempre bem ouvir as velhas músicas, O Fim, Perdidamente, 125 Azul ou Saudade. são as grandes canções de Represas, que nos acompanham à décadas (no meu caso, desde a infância que me lembro de ouvir algumas destas canções). É um pouco como vestir aquele casaco velho que nos é tão confortável, ou aqueles sapatinhos a precisar de reforma mas dos quais não nos conseguimos livrar porque gostamos da sensação de conforto que nos transmite. Estamos a falar de pura tranquilidade.
Represas é um dos grandes criadores de canções portugueses. Tem o condão de pegar em poemas de autores portugueses, como Florbela Espanca, cujo poema Ser Poeta foi imortalizado na canção Perdidamente ou Mário de Sá Carneiro, poeta da decadência modernista, cujo poema Fim foi imortalizado na canção homónima de Represas (pessoalmente, a minha canção favorita).
Foi-se, viu-se, gostou-se. É certo que não se ouviu nada de novo. Repetiram-se velhas glórias com um toque saudosista. Mas por vezes penso que a eterna correria atrás da novidade, das novas e excitantes ideias está nesta era hiperligada tão acelarada que mal há tempo para digerir o novo antes do próximo mergulho nas novidades. Momentos como o de ontem são as necessárias reflexões, as pausas antes de novo mergulho na bleeding edge.
(Nota para arqueólogos do futuro: Xanax é um potente concentrado de produtos químicos que induz um efeito tranquilizante. Um Xanax equivale à tranquilidade, dois Xanax são soneca garantida, e três Xanax já equivalem a um coma prolongado. Xanax é um medicamento que simboliza a mais pura calma e apatia.)
(Nota para futuros historiadores: os portugueses do início do século XXI distinguiram-se pelo consumo epidémico de tranquilizantes para suportar as neuroses da vida. Culturalmente, o consumo de tranqulizantes reflectia-se nos produtos culturais consumidos pelos lusos habitantes do semi-deserto à beira mar incendiado.)
O melhor do concerto, na minha humilde opinião de desavergonhado observador das profundezas da decadência humana, foi o espaço onde decorreu o concerto. Nunca tinha posto os pés no casino do Estoril, nem em qualquer outro. Nunca surgiram oportunidades nem eu estava para aí virado. A lógica dos casinos e jogos de azar ultrapassa-me.
Fiquei absolutamente fascinado com o ecossistema das zonas de jogo do casino. Ao entrar, deparamos com fileiras de máquinas multicoloridas, cujos garridos dizeres anunciam boa sorte, grandes prémios ou, muito honestamente, money to burn (dinheiro para queimar). Essas máquinas são habitadas por pessoas que, de olhar obsessivamente fixado nos ecrâs, carregam em botões de uma forma aleatória para quem observa, mas que certamente obedecerá a alguma rebuscada lógica interna. Alguns seguram, com um ar distraído, maços de notas de 50€, demasiado concentrados na acção virtual dos ecrãs das máquinas de jogo para calcularem a vectorização da razão de perda monetária.
Para os amantes de jogos mais clássicos, podemos sempre encontrar as animadas mesas de Blackjack e as rouletas, onde o jogo de azar é elevado à categoria de desporto de entretenimento, com espectadores a observarem as jogadas dos croupiers e a alvitrarem possíveis decisões de quem está em jogo. O anonimato é total. Põem-se as notas na mesa, recolhem-se as fichas, e aposta-se até se ficar sem fichas. Tendo perdido, o jogador anónimo levanta-se, dando lugar a outro jogador ansioso por deixar escorrer o seu dinheiro.
Três croupiers em acção. Um recolhe as apostas, outro anuncia os números, e um terceiro lança os dados. Estamos no local mais alucinante deste ecossistema controlado, as mesas de dados. Seres de olhos esbugalhados e ar vazio, num forte ambiente de fumo, olham para os dados, obcecados e quase fora de si no cálculo das probabilidades extremas de uma aposta vencedora. As muitas perdas e a desilusão estão estampadas nestes rostos desolados, mas o fascínio do azar é mais forte.
São estes os vectores deprimentes do fascínio pela decadência.
Estratégicamente espalhados pelo espaço do casino, símbolos de riqueza e afluência: joias, relógios caros e automóveis de luxo a rivalizar com as luxuosas viaturas ostentadas nos parques de estacionamento do casino. Tudo organizado de forma a sustentar a cupidez e o sonho da riqueza fácil. Muito à mão dos jogadores, terminais de multibanco e funcionários cuja função é trocar dinheiro. O casino quer-se transparente, o casino evapora o dinheiro dos clientes de forma estritamente honesta.