terça-feira, 9 de agosto de 2005
Aterragem segura
Nasa | STS-114 Return to Flight
Wikipedia | Space Shuttle
Wikipedia | Kliper
Wikipedia | Crew Exploration Vehicle
Wikipedia | Automated Transfer Vehicle
Wikipedia | ISS
Já fazia um certo tempo desde que os meios de comunicação prestavam atenção a um assunto tão inútil do ponto de vista de investimento publicitário como uma missão do vai-vem espacial. Desta vez, seguindo o rasto de sangue que os meios de comunicação são tão exímios a seguir, prestaram muita atenção à última missão do vai-vem. Talvez com a secreta esperança de que ao reentrar na atmosfera, lhe acontecesse o mesmo que à STS-113 e se desfizesse em milhares de destroços incandescentes, perfeitos para primeiras páginas de jornais e imagens de abertura de telejornais.
Tudo correu bem. A espaçonave acaba de aterrar, uma aterragem nocturna perfeita. O local de aterragem, a base de Edwards, é a lendária base de aviação experimental de onde descolaram o x-15, os lifting bodies (aeronaves que testaram a configuração da fuselagem do vai-vem espacial) e, mais recentemente, da dupla White Knight/Spaceship One, a bem sucedida tentativa de criar um veículo suborbital capaz de viagens regulares ao limite da atmosfera levada a cabo por capitais privados. Aquele lançamento que venceu o X-Prize.
Para os fanáticos da exploração espacial, os telejornais destes dias que durou a missão da STS-114 foram um mimo. Todos os dias, lá pelas horas do jantar, fomos mimoseados com as fantásticas imagens da missão. O descolar do espaçoporto, as primeiras órbitas, o bailado em gravidade zero que foi a rotação da espaçonave perante as cameras da estação espacial, a vida a bordo da estação, e míriades de cenas com o vai-vem a orbitar o planeta. Imagens fascinantes, que voltam a depositar a confiança no futurismo.
A verdade é que o vai-vem não passa de um elefante branco com asas e potentes motores. Aquela coisa representa o pico tecnológico dos anos setenta, e a sua manutenção é demasiado cara para que o objectivo de viagens regulares baratas ao espaço tenha sido cumprido. Basta dizer que o envio para o espaço de um quilo de massa (massa em termos de física, não em termos de culinária) custa em média 10.000$ no vai-vem. Em euros é mais ou menos a mesma coisa. Como o vai-vem pesa toneladas, puxem das calculadoras e façam as contas...
Estamos em 2005. Onde estão os observatórios tripulados em órbita solar? Onde estão as colónias O'Neill no ponto LaGrange? As colónias lunares e marcianas? As colónias humanas espalhadas pelo sistema solar? As missões intergalácticas às estrelas mais próximas? O que temos ainda não é muito, umas centenas de satélites a orbitar a terra, a lua e marte, uns rovers a passear na superfície marciana, uma estação espacial em órbita, missões regulares de baikonur, e um vai-vem espacial que dá espectáculo, mas está irremediávelmente envelhecido.
Andam por aí novos projectos. A ESA, Agencia Espacial Europeia, está prestes a testar o seu (nosso) ATV - Automated Transfer Vehicle, um módulo espacial automático de carga para atracar à estação espacial. Os russos, apesar das dificuldades da vida pós-sovietica, planeiam a entrada em serviço do Kliper, sucessor das Soyuz, para 2011. A Nasa trabalha afincadamente em dois novos módulos, o CEv (crew exploration vehicle) e um módulo automático de carga, para substituir o vai-vem. Privadamente, existe uma série de empresas a desenvolver foguetões próprios e projectos de aparelhos sub-orbitais, das quais a mais visível (e, até agora, viável) é a Scaled Composites, com o SpaceShip One. Em parceria com Richard Branson, patrão da Virgin, está a ser desenvolvido um negócio de turismo espacial de voos sub-orbitais.
Todos estes projectos dão esperança que, mais tarde ou mais cedo, os sonhos de explorar o espaço para além das estrelas se tornem realidade. Mas é bom que não nos esqueçamos da nossa casa. Por muito fantásticos que sejam os ambientes espaciais, nunca nenhum será tão perfeito para nós como o ambiente do nosso planeta azul, sempre tão esquecido e maltratado. Um passeio na lua implica um fato espacial com suporte de vida. Um passeio na terra não implica nada. Podemos até ir nús, que nenhum perigo daí advirá (excepto olhares indiscretos e penas de prisão por exposição indecente).
O espaço exterior é belo, fascinante e impossívelmente letal. Espero que seja o futuro da humanidade, mas convém sempre manter um pézinho no nosso terceiro calhau a contar do sol.