Hoje, grande parte do meu dia foi consumido numa reunião. A reunião foi uma daquelas longas reuniões que só os membros docentes do corpo conseguem ter. São reuniões famosas pela sua indecisibilidade; qualquer descisão tomada é-o apenas após sérios conflitos de opinião. Qualquer questão levantada leva a imensos murmúrios descontentes e resmungos sobre a agravante decadência do sistema de ensino. A execução de qualquer projecto é sempre agendada para uma próxima reunião, sabendo-se que eventualmente será novamente adiada nessa próxima reunião. E assim ficamos, e mais uma manhã é passada a decidir que se decide e a definir que se define. A de hoje nem foi das piores. Já passei por tantas, ao longo da minha carreira, e irei passar por tantas, que começo a estar imunizado.
Uma componente interessante deste tipo de reuniões são as relações entre professores. Quem está de fora, fácilmente imagina o corpo docente como um corpo, uma entidade unificada cujos membros trabalham em conjunto para um bem comum.
É, não é? Uma imagem tão bonita, tão bucólica e tão falsa...
De todas as profissões, a de professor é uma das mais desunidas. Embora, para efeitos de cosmética, possamos aparentar alguma união, por detrás, portas fechadas, somos mais renhidos e violentos entre nós do que matilhas de animais selvagens esfomeados a lutar por um naco de carne. Entre nós, para nós, somos maus e crueis. E o espírito de corpo é inexistente. Se eu tivesse um cêntimo por cada vez que ouvi criticar maldosamente um colega de trabalho, ou que assisti a atitudes de entreajuda típicas da santa inquisção, com ferros em brasa à mistura, já me poderia reformar e viver dos meus rendimentos.
Basta entrarem numa sala de professores para constatarem isso. Às vezes, em momentos mais difíceis, como no final de ano, as dissensões vêm à superfície com uma violência vulcânica. Mas o ambiente generalizado é feito de sorrizinhos e pancadinhas nas costas, enquanto que por detrás, a voz surda, se desmantela a personalidade e o método de trabalho dos colegas a martelo pneumático. E numa reunião... quando um grupo de professores se junta, é sempre bom observar as reacções daqueles que se conhecem há bastante tempo. Aqueles que têm trabalhado anos e anos, que se têm irritado uns com os outros ao longo de anos. Numa reunião, topam-se logo. São aqueles que olham para colegas com um olhar assassino mal disfarçado, que só a pátina civilizacional impede que se transforme em mais do que olhares. São aqueles que se lançam em discussões de morte em assuntos sem importância. Ao longo dos anos, assisti já a alguns destes confrontos. E, diga-se de passagem, este ano não foi dos piores nesse aspecto. Os meus colegas sabiam-se comportar.
O que é que eu dizia sobre a desunião do corpo docente? Cá estou eu por detrás, a cortar, a cortar, a cortar...