sábado, 30 de julho de 2005

Post Scripts



Moby Dick, or, The Whale
Electronic Text Center | Moby Dick
The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket
Uighur People

Se estivesse em São Francisco, participava nisto: uma flashmob de zombies... daria asas ao lado mais macabro da minha imaginação, e lá estaria. Seria divertidíssimo fantasiar-me de heroi de alguns dos meus filmes favoritos.

Por incrível que pareça, viver na Ericeira e ir regularmente à praia são duas coisas mutuamente incompatíveis. O viver implica sempre tarefas, limpezas de casa, compras, trabalho. E o pulinho até à praia, aquele que se promete dar no fim de cada dia, acaba sempre por ser adiado. A absurda normalidade das rotinas da vida interfere irremediávelmente com o prazer de desfrutar do sol e do mar. O absurdo desta vidazeca pequeno-burguesa é imenso. O esforço financeiro que se faz para ter uma vida agradável não nos permite desfrutar dessa vida pela qual lutámos. Um paradoxo das sociedades modernas.



E naqueles dias de sol e calor, com o mar meeesmo convidativo, azulinho e plácido, quem é que consegue ir trabalhar sem engolir em seco, desviar bruscamente o olhar ao mar e pensar para si mesmo "quem me dera, mas... mas... mas..., ah se eu pudesse..."

Mesmo assim, dá sempre para roubar um tempo às rotinas entediantes dos abastecimentos em supermercados e formalidades financeiras para dar um pulinho às nossas praias rochosas apanhar coisinhas como as que estão aqui representadas - é uma velha obsessão minha, o apanhar de conchinhas.



Leiam (ou releiam, se for caso disso) o primeiro parágrafo de Moby Dick, de Herman Melville. Como já sei que não vão ler, cá vai ele:

Call me Ishmael. Some years ago--never mind how long precisely--having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen and regulating the circulation. Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upper hand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off--then, I account it high time to get to sea as soon as I can. This is my substitute for pistol and ball. With a philosophical flourish Cato throws himself upon his sword; I quietly take to the ship. There is nothing surprising in this. If they but knew it, almost all men in their degree, some time or other, cherish very nearly the same feelings towards the ocean with me.

Nunca pus os pés num navio, muito menos num baleeiro que velejará à volta do mundo e cuja viagem terminará no fim do mundo, como nas aventuras do meu homónimo em The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket de Poe. Mas compreendo bem aquela sensação, whenever it is a damp,
drizzly November in my soul
, o novembro a carregar a alma, a cabeça a pesar sob a pressão das responsabilidades prementes e dos sonhos esquecidos. Sempre me fascinou com que facilidade se me aclarava a mente pelo simples contacto com o mar, de preferência numa praia rochosa na maré baixa, com todas aquelas poças entre as rochas, espaços fervilhantes de vida fascinante, e toda aquela efémera paisagem quase alienígena que só existe naqueles momentos breves antes de ser submersa pelas ondas.

Fascinado pela contemplação de todos esses recantos, nenhum fiapo de nevoiro sobrevive numa qualquer alma mais tenebrosa.



Ainda estou abalado pela leitura de As Partículas Elementares, de Michel Houellebecq. O livro é, simplesmente, demolidor. Um depressivo retrato dos vazios do nosso individualismo. Quero criticar o livro, mas as frases estão difíceis de sair. Quando tiver prontas as minhas observações sobre o livro, prepararem-se para serem chocados. Houellebecq é, no mínimo, um tipo tramado. Um verdadeiro escritor maldito, da mais fina tradição. Mas se os livros malditos nunca me chocaram por aí além, fascinando-me mais pelo ultrapassar de convenções do que pelos conteúdos potencialmente escabrosos, este chocou-me. Se calhar, porque me revi como um elemento da sociedade que Houellebecq tanto se diverte a demolir.

Tenho de me ir. Preparar o jantar, um jantar condigno com um fim de tarde na praia. Nada de marisco, que a contenção orçamental não permite. Umas costoletazinhas de borrego grelhadas polvilhadas com mistura harissa de especiarias para dar um toque exótico, acompanhadas de uma frittata de cebola, tomate, pimentos vermelhos, amarelos e laranjas, e um legume qualquer que uma amiga me deu que não sei como se chama. Parece-se com um pepino, mas não o é, e cru é intragável. Fritado, fica com uma consistência tipo cogumelos, absorvendo bem o molhinho da frittata, uma mistura de azeite, molho inglês e os sucos dos legumes fritos. Podem não acreditar, mas é uma delícia. Um dia destes, se me lembrar, ponho aqui algumas receitas culinárias mais ou menos rápidas que dão pouco ou nenhum trabalho, com bons sabores garantidos, e que ao contrário daquelas receitas sempre tão bonitas que aparecem nos livros e revistas de culinária, não falham porque falta aquele ingrediente exótico especial. Sabem, aqueles ovos de codorniz sul-africana, ou o molho de marisco tailandês, ou ou gengibre seco do nepal, ou anchovas, endívias, lentilhas e outros ingredientes só localizáveis nos confundios de obscuras lojas frequentadas apenas por conoisseurs. A sensação é extremamente irritante: ao lado de uma fotografia com um prato suculento e apetitoso, aparece a lista de ingredientes com ingredientes absolutamente estapafúrdios, impossíveis de encontrar na mais bem apetrechada das cozinhas. É um mal recorrente dos livros de culinária... e estou apenas a falar daqueles livros de culinária fácil, do tipo "receitas rápidas e saborosas", nada de livros de cozinha nepalesa ou uigur do norte da mongólia (se é que por lá há uigures, que não, não são inventados, são uma daquelas etnias bizarras da àsia central, os que atacam e raziam com a velocidade do falcão).