sábado, 9 de julho de 2005

Festas e foguetes

RCM | A Ericeira está a ficar pobre e descaracterizada
RCM | Autarca da Ericeira repudia críticas
A Misteriosa Chama da Rainha Loana - Umberto Eco
A Misteriosa Chama da Rainha Loana

Caríssimo Blog:

Ontem à noite fui supreendido pelo ribombar de um espectáculo de fogo de artifício. Da minha janela sobre o mar, viam-se explosões iridiscentes, fogos coloridos que iluminavam a noite. E enquanto ribombavam os foguetes e morteiros, perguntava-me eu aos meus botões de que festa se tratava. Que eu me lembrasse, as festas da vila costumam ser bem lá para a agosto, e julho ainda mal começou. Há festas novas? Escapou-me algo sobre as tradições da vila?

Pouco tempo depois, o mistério deslindava-se. Tratava-se tão somente da inauguração do novo jardim da Ericeira. Achou por bem a câmara de mafra construir um jardim, um pequeno passeio público, aqui para os lados da ermida de s. sebastião. Naqueles terrenos junto à praia de S. Sebastião, que serviam únicamente de poiso ocasional para as tendas, leões e elefantes de um circo ou outro, ou de poiso anual para a feira dos alhos (uma daquelas feiras onde de tudo se vende, menos alhos), e cuja utilidade pública se limitava a servirem de parque de estacionamento esburacado e empoeirado. Ficou um arranjo bonito, moderno, com café, esplanada, e lugares para estacionar os carros com os quais se veio até à esplanada. Também levou a um arranjo da estrada nacional, com uma nova rotunda a facilitar o trânsito da vila. E, para que as más línguas não percam motivo de conversa, o novo jardim também deve ser assunto de conversa, desde a concessão da exploração da esplanada (segundo o Ericeirense, jornal mal dizente aqui da vila, era a amizades do presidente da câmara de mafra) até ao constatável facto de que a construção de um jardim naqueles terrenos tão apetecíveis para condomínio fechado se deve apenas ao facto de, se lá construíssem condomínios ou vivendas, a falésia derrocava.

Só valoriza a Ericeira a criação destes espaços públicos. Mas... era mesmo preciso inaugurar com foguetes e festa de fogo de artifício? Também é só um jardim, não é bem um hospital ou escola... se nesta inauguração houve festa, como será a inauguração do remodelado parque de Santa Marta? E será possível inaugurar um parque que já existe na ericeira à décadas? Teremos direito a festança rija para toda a vila, com comes e bebes à discrição, contas suportadas pelos cofres da câmara de mafra? A ideia é simpática, mas não é preciso tanto. E a real razão para tão rija festa como a de ontem está no meu segundo mas.

Portanto, caríssimo blog, mas... aqueles terrenos estavam à décadas ao abandono. E, neste ano, a Ericeira transformou-se num verdadeiro estaleiro, com a remodelação do Parque de Santa Marta (que também esteve décadas em semi abandono) e a intervenção na praia dos pescadores, com a construção das boxes (chamam-lhe boxes, eu chamo-lhes casinhas) para uso dos pescadores, que têm passado sem elas desde que o porto da ericeira existe. E não é só a Ericeira que se vê em renovações. Posso apontar o Seixal, onde os automobilistas já podem passar sem preocupação de cilindrarem transeuntes descuidados. Foram construídos arruamentos no centro da aldeia. E em Alcainça, também foram construídos arruamentos e passeios. E Mafra, essa, nem parece a mesma, com duas novas estradas - a crima, circular interna e a nova mini-autoestrada que se paga a cinquenta cêntimos pelo minuto e meio que demora a percorrer. Porquê tanto afã construtor?

Admito que a minha consciência cívica é quase inexistente. Não me perguntem datas de eleições, nem me envolvam em questiúnculas políticas. Não sou esse tipo de pessoa. Mas este afã construtivo cá pelas bandas do concelho, sem paralelo nestes anos em que eu já por cá ando, surpreende-me. Não é que as obras não necessitem de ser feitas, e ainda bem que o foram - a ericeira só beneficia com os arranjos, as novas estradas são uma benesse e as famílias do seixal e alcainça certamente que deverão ver menos funerais devidos a atropelamento. Só me surpreende que sejam todas construídas ao mesmo tempo, prontas a serem inauguradas com pompa de circunstância provinciana, nos meses que antecedem as festas eleitorais. Na minha inocência política, pensava que essa fase da vida política do país já tinha sido ultrapassada. Mas pronto. Mais vale trabalharem na altura das eleições, tal como aqueles alunos que só se lembram de se aplicar na escola já o terceiro período vai lançado, do que não trabalharem. E, posto isto, caríssimo blog, vou me desligar da rede, pegar no belíssimo A Misteriosa Chama da Rainha Loana, o novíssimo livro de Umberto Eco que estou a adorar ler, e vou assentar arraiais na nova esplanada da Ericeira, a ver o sol poente ali para os lados da ermida de S. Sebastião. E vou pensar em como é bom viver neste país ensolarado, apesar das suas dificuldades, longe de criminosas explosões provocadas por fanáticos religiosos que evergonham os da própria religião. Os ribombares explosivos que por cá se ouvem são mesmo de festa.