Mais uma vez, o peculiar micro-clima da Ericeira trocou-me as voltas e obrigou-me a mudar os planos. Quando comecei a ruminar este post, ontem à tarde, estava um fim de tarde fantástico, com um sol poente a esteirar-se em tons dourados sobre um mar plácido. Digo ruminar porque isto de escrver um blog tem que se lhe diga. Geralmente começo a ruminar os meus posts na cabeça um ou dois dias antes de os escrever e publicar. De maneira que o post ia ser sobre os belíssimos dias de domingo na ericeira, e a maneira como a vila se enche de pessoas, com as estradas congestionadas por filas de condutores domingueiros que acham que a melhor forma de passar um domingo a descansar e a relaxar depois de uma semana a enfrentar o trânsito da IC19, da A1 ou das ruas de lisboa é ficar paralisado numa fila gigantesca de trânsito (já vi dias em que o trânsito já começava a parar na Malveira) na estrada nacional. Caso eventualmente, após horas de condução em primeira-travão, primeira-travão, consigam entrar na vila da Ericeira, é só para darem voltas desesperados com a falta de lugares de estacionamento (isto é uma vila, não é um silo de automóveis), com as ruas cheias de automóveis. Visão dantesca, sabendo eu bem como as ruas aqui da vila mal dão para um carro.
Só se chover, torrencialmente, é que isto não acontece. Todos os domingos são dias de peregrinação à vila. O passeio dos tristes, com pára-arranca garantido da partir de Mafra, Sintra ou Ribamar, levando a umas voltas desesperadas pelas zonas da vila onde se pode estacionar, um circuito que passa pelos navegantes, santa marta, furnas e em caso sério, s. sebastião. No centro da vila, ao pé dos correios, nem pensar! Depois de tanto tempo a tentar chegar à vila, talvez haja tempo para um passeio pelas furnas, para apanhar uns salpicos das ondas que sempre insistem em lá bater, ou um cafézinho nas esplanadas do jogo da bola. Se se madrugou (quem consegue conceber, quanto mais imaginar, a noção de madrugar a um domingo?), talvez consiga estacionar o veículo a tempo de um peixinho grelhado nas furnas ou nos restaurantes da avenida eduardo burnay (avenida é um eufemismo). Claro que não nos podemos esquecer de uma correria até à pastelaria para comprar uma caixinha de ouriços, o doce típico cá da terra.
É assim a vida nesta típica vila piscatória à beira mar (é assim que vem descrita nas brochuras turísticas).
Ao domingo, o nativo consciente da vila (ou aquisição recente como eu) evita a Ericeira, a menos que faça o seu dinheiro e os seus negócios a partir desta massa domingueira de turistas masoquistas.
Durante a semana, a vila está quase deserta, com ruas calmas e restaurantes acolhedores. E só me resta lamentar-me por, estando empenhado até às orelhas como estou pelo privilégio de ter apartamento com vista para o mar, não ter dinheiro para tratar por senhor seguido de nome próprio os donos de uns restaurantes da terra que eu cá sei. Pelo menos aprendi a cozinhar... e sempre vou tendo dinheiro para umas cervejinhas. Cervejinhas essas tomadas na esplanada do novo centro da ericeira, nas esplanadas do fórum S. Sebastião, agora embelezado e arranjadinho com jardim e vista (que sempre teve) para o atlântico. Imperiais com cheirinho a maresia. Digo-vos, aquecem o sangue e dão vida ao cérebro.
A calma ericeirense só é alterada pelo verão. Aí a vila enche-se, mas para quem já a conhece a coisa até nem é assim tão intolerável.
Pois é. Esperava eu dia solarengo, com filas de trânsito visíveis da minha janela na estrada nacional entre a curva de ribeira de ilhas e o parque de campismo, e sai-me isto. Da minha janela só se vê cinzento. Algum desse cinzento parece matizado, com alguns tons e brilhos, e é assim que distingo o mar. A estrada está deserta, por enquanto.