quarta-feira, 22 de junho de 2005

Puxão de Orelhas I

Esta manhã, ainda com o cérebro enevoado do sono interrompido, tive a oportunidade de ouvir os famosos recadinhos do presidente da república à banca e à educação. É a vantagem de estar a acabar um mandato sem possibilidades de reeleição - pode finalmente dizer o que bem lhe apetece, sem medo de perder votos ou apoios institucionais. Foi assim que me vi comparado aos finlandeses.

De acordo com Sampaio, os professores finlandeses leccionam 22 horas por semana, tal como nós. Porreiro, isso significa que afinal não estamos tão atrasados como isso, se até os alunos finlandeses da lapónia a helsínquia estão em aulas durante o mesmo tempo que os nossos. Mas o recado não se ficou por aqui (era bom demais). Aparentemente, os profes finlandeses passam até 50 horas na escola, a tirar dúvidas aos alunos, a apoiar a utilização de materiais informáticos e a apoiar os alunos que necessitam. E nós... ao fim de 22 horas, vamos para casa.

Sr. presidente, eu de muito bom grado trabalharia as trinta e cinco horas que tenho, como funcionário público, na escola. Mas da maneira como as escolas estão estruturadas, vou ficar na escola 35 horas a fazer o quê? Fumar cigarros na sala de professores, enquanto ouço as eternas queixas dos colegas sobre os asnos que são os alunos e os asnos que povoam os edifícios da cinco de outubro (vulgo ministério da educação)? Com muito gosto desenvolveria projectos que ultrapassam o âmbito dos programas disciplinares, nomeadamente na intersecção das artes visuais com as tecnologias de informação. Mas o sistema educativo não está para aí virado, e falo apenas sobre a mentalidade pervasiva. Porque também há que ver o problema dos espaços, ou a falta de espaços (já trabalhei em escolas onde se discutiu sériamente transformar gabinetes em salas de aula) e de equipamentos. O sr presidente falou dos computadores que haviam nas escolas finlandesas com um ar tão casual, que me pareceu que máquinas era coisa que não faltava. Bem, nós por cá temos geralmente uma sala por escola, geralmente apetrechada com máquinas arcaicas, e sem manutenção técnica, que costuma ser assegurada por algum professor mais carola que se dedica aos bits e bytes. Sala essa cujo funcionamento costuma ser assegurado por professores de alguma idade, com reduções de horário ou em estado de total breakdown mental, cuja relação com a tecnologia é, digamos, relutante ("liguei o computador mas está tudo preto... o que é que se passa? ligue o monitor...). As salas são utilizadas, essencialmente, por alunos que vão lá jogar ou realizar pequenos trabalhos quase exclusivamente no Word. Pouco mais é explorado além de processamento de texto, pesquisa na internet (quando há ligação disponível) e algum software educativo, o que significa que estamos a ensinar alunos a serem consumidores passivos de conteúdos tecnológicos. Ou apenas meros utilizadores de ferramentas de software. O uso criativo das TI raramente é contemplado.

Confesso que por vezes tento. Há conteúdos da minha disciplina que são passíveis de trabalho informático - ocorre-me o estudo da letra, cujas potêncialidades são ampliadas exponencialmente com uns simples truques de photoshop, ou o estudo do movimento, que pode ser directamente abordado através da animação facilitada por ferramentas como máquinas fotográficas digitais e software de animação. Mas são muito poucos os projectos nestas àreas. E a vontade institucional, a resistência à mudança que afecta o corpo docente português, não ajuda muito.

O sr. presidente apenas se esqueceu de referir no seu recado quanto ganham esses professores finlandeses que trabalham 50 horas. Será que a esses professores também perguntam se, com os rendimentos que têm, são professores a tempo inteiro?