sábado, 5 de março de 2005

Para Anactória

A mais bela coisa deste mundo
para alguns são soldados a marchar,
para outros uma frota; para mim
é a minha bem-querida.

Fácil é dá-lo a compreender a todos:
Helena, a sem igual em formosura,
achou que o destruidor da honra de Tróia
era o melhor dos homens,

e assim não se deteve a cogitar
em sua filha nem nos pais queridos:
o Amor a seduziu e longe a fez
ceder o coração.

Dobrar mulher não custa, se ela pensa
por alto no que é próximo e querido.
Oh não me esqueças, Anactória, nem
aquela que partiu:

prefiro o doce ruído de seus passos
e o brilho de seu rosto a ver os carros
e os soldados da Lídia combatendo
cobertos de armadura.

Os mitos têm muita força. E a antiguidade clássica não era muito agradável para as mulheres - enquanto os homens gregos inventavam a democracia, as mulheres gregas viviam enclausuradas nos gineceus. Dos gregos, muita história se conta; das gregas, poucos nomes vêm à memória - talvez Laís, a Coríntia, famosa prostituta da antiguidade.

Um breve olhar ao que se sabe sobre a biografia de Safo (o que não é muito) revela que esta foi uma mulher que não se submeteu à tirania do gineceu. Escreveu poesia, envolveu-se na vida política da ilha de Lesbos, foi exilada, viajou, casou com um milionário da época, teve uma filha, enviuvou, habituou-se a uma vida de luxos, e ao regressar a Lesbos, fundou uma escola para raparigas. Uma mulher dinâmica, muito à frente do seu tempo.

Imaginem as invejas e más linguas que isto não suscitou numa sociedade falocêntrica como a grega (pareco uma femininista a escrever...). A homossexualidade era corriqueira na cultura grega - mas uma mulher que vivia plenamente a sua vida e a sua sexualidade era uma cortesã (as hetairas eram muito apreciadas) ou então, uma mulher muito odiada.

Séculos mais tarde, na Idade Média, a fama de Safo levou a que a igreja católica mandasse queimar as suas obras. O que é revelador da ginofobia do catolicismo - os monges que preservaram as obras de Aristóteles, Plínio, Estrabão, Ptolemeu, Aristófanes, enfim, que preservaram a cultura clássica, destruíram a poesia de Safo por ser imoral... em oposição, por exemplo, à clássica peça erótica que é Lisystrata (a original make love not war), que foi preservada.

Lisystrata também tem história... é uma brilhante peça de aristófanes, sobre a atitude que as mulheres atenienses, fartas da guerra, tomaram: enquanto houver guerra não há sexo. Make love, not war há 2500 anos atrás.

Felizmente, sobreviveram fragmentos dos poemas sáficos.

As Rosas de Piéria

E morta jazerás: de ti
não restará lembrança, em tempo algum,
nem mesmo compaixão jamais despertarás:
nas rosas de Piéria não tiveste parte.

Desconhecida até na casa de Hades,
errante esvoaçarás em meio a obscuros mortos.