Steven Peck (2011). A Short Stay in Hell. Washington: Strange Violin Editions
A sombra de Borges pesa sobre este curto mas muito intrigante livrinho. Uma sombra assumida. O autor pega na ideia do conto A Biblioteca de Babel e estende os seus limites de formas inesperadas. Neste livro, o inferno é uma biblioteca infinita. Um inferno para bibliófilos, note-se, porque haverá outros infernos para outros tipos de pessoas. E se isso vos parece um paraíso, passar uma eternidade rodeado de livros, recordem-se da premissa do conto de Borges: a biblioteca infinita contém todas as possibilidades de livros, sendo a maioria textos sem qualquer sentido.
Imaginem um homem profundamente religioso, cumpridor dos seus deveres, que ao falecer espera chegar ao paraíso e se descobre face a face com um demónio, que lhe comunica que está condenado aos infernos. Não por ter sido malévelo ou pecador, mas por ter acertado ao lado na sua crença. Afinal, existe um deus único e omnipotente, mas é um deus obscuro com poucos seguidores. O que significa que automaticamente a maioria dos que passam o limiar da morte estão condenados aos infernos. Imaginem a chatice dos pobres seres ao serviço desse deus, que têm a trabalheira de enviar multidões para os suplícios. Por curiosidade, ficam a saber que o deus único é a divindidade dos zoroastras.
Mas há esperança. A condenação ao inferno não é uma eternidade, e o inferno não é um lago de fogo e ranger de dentes. O inferno, para este homem, será uma biblioteca. E o desafio que o libertará para o elevar ao paraíso é simples - basta encontrar um livro que conte a história da sua vida. Uma tarefa que se revelará impossível, numa biblioteca quasi-infinita.
O inferno é um lugar aprazível. Livros, essencialmente cheios de caracteres cacofónicos. Espaços de conforto para viver, comida e bebida à discrição, a companhia de outras almas sentenciadas ao mesmo suplício. Essa é uma das ironias do livro, a monotonia da normalidade tornar-se o insuportável. Nunca saberemos se o personagem encontrará a redenção, apenas que em milénios enfiado na biblioteca quasi-infinita, nada muda.