terça-feira, 9 de julho de 2024

Mapa Cor de Sangue


Rui Cardoso (2023). Mapa Cor de Sangue. Alfragide: Oficina do Livro.

O tema das Invasões Francesas está um pouco esquecido na nossa visão contemporânea, relegado para alguns locais comemorativos, vestígios mal mantidos (com boas exceções) dos redutos das linhas de Torres, e algumas recriações de entusiastas. Talvez este afastamento se deva a ser um tópico muito incómodo na história recente de Portugal, que, como este livro observa, contraria aquela imagem de raiz estado-novista (mas que se arreigou na forma como nos vemos) de um país de brandas gentes e costumes. Os anos conturbados das invasões foram o início de meio século de lutas, invasões e guerra civil. Durante a primeira metade do século XIX, Portugal esteve a ferro e fogo.

Um papel desempenhado nas Invasões, academicamente estudado mas não muito divulgado, é o das revoltas populares que, logo aquando da primeira invasão, onde a capitulação nacional foi ordenada pela coroa que se retirava para o Brasil, deu a faísca que levou à expulsão francesa. As revoltas populares permitiram o reaviver das desarmadas forças portuguesas, e os desembarques ingleses de forças regulares para enfrentar o exército napoleónico. A história é complexa e sangrenta, bárbara em todas as partes, como é, infelizmente, a norma neste tipo de tempos. A violência revoltosa estendeu-se dos ocupantes àqueles que eram vistos como colaboracionistas, e a reação das tropas de Junot foi proporcianal em violência, arrasando terras revoltosas e executando populações como represália. Ficou-nos, na língua, uma expressão que recorda a violência extrema desses dias: ir para o maneta, celebrando a selvajaria do infame general Loison, conhecido pelo rastro de atrocidades que deixava atrás de si.

A resposta às restantes invasões fez-se de formas mais convencionais, já com forças regulares anglo-lusas e uma enorme contribuição de milícias e guerrilhas locais, bem como políticas de defesa assentes na terra queimada. Embora sem o cunho de revolta total e caótica primeira invasão, as seguintes voltaram a caracterizar-se pela enorme violência, não dos combates em si, mas de todo o seu contexto. A derrota francesa deu-se menos em combate aberto do que no constante desgaste de operações de guerrilha que dificultavam as operações. 

O fim das invasões não trouxe consigo  paz. Seguiram-se os anos de guerra civil entre liberais e absolutistas, também anos de violência, caos, e de senhores da guerra locais que perduraram na memória histórica como bandoleiros. Só a segunda metade do século XIX, com o firmar da vitória liberal, é que trouxe alguma paz ao país, bem como caminhos de desenvolvimento. Uma paz que depressa poderia decair em violência, como mostra o autor, traçando um padrão do tempo das invasões francesas à implantação da república, época de violência e revoltas, que só foram definitavemente travadas com a repressão do estado novo.

Esta não é uma leitura cómoda, não é uma história agradável de heroísmos, de um povo acossado que se defende com honra. A violência generalizada, a firmeza destrutiva dos responsáveis militares, a forma caótica com o povo se levantava, são aqui mostradas sem complacências. Foram tempos extremos, e todas as forças intervenientes reagiram de forma extrema.