(2023). 88 Vozes sobre Inteligência Artificial. Lisboa: ISCTE/Oficina do Livro.
Quando um formando me chega à sessão com este matacão debaixo do braço e me diz "toma lá, já tinhas visto...?", percebi que estava feito. Lá tive de ir a uma livraria (oh, que enorme suplício) e trazer esta obra documental (ordálio, deveras). Não fico particularmente impressionado por livros cheios de nomes opinativos sonantes, mas suspeito que será um bom livro para a minha coleção de retro-futurismo. Um daqueles para voltar a pegar daqui a alguns anos e perceber se as tendências nele identifcadas evoluíram, ou se tornaram becos sem saída.
A quantidade de pontos de vista sobre o tema é assinalável, o número 88 não é uma figura de estilo. Vindo de onde vem, a diversidade de pontos de vista não é muita, a maior parte das 88 vozes estão ligadas à economia ou a empresas. E daí já sabemos que tipo de discurso vem, muito deslumbrado, polvilhado com laivos de techbro, com bases técnicas algo duvidosas. E, nalguns casos, um nível intelectual confrangedor. Não são muitos, mas surpreende ver que responsáveis por empresas e organizações possam ser tão superficiais nas suas análises e pensamento. Destaco, pela positiva, os responsáveis ligados à saúde, com uma visão clara da forma como estas tecnologias podem ser aplicadas para melhorar a prestação de cuidados.
Os deslumbres são temperados pela vertente mais técnica daqueles que trabalham e investigam em Inteligência Artificial. Destes, lemos uma posição crítica mas otimista, que aponta as problemáticas da tecnologia, as suas possibilidades, e o potencial português nesta área. Complentam as visões ligadas às Artes e Ciências Sociais, muito focalizadas no potencial criativo mas também disruptivo da Inteligência Artificial, centrando-se também nas questões da ética e legalidade.
Dos ensaios, destaco "A Inteligência Não É Só Isto", de Emília Ferreira, diretora do MNAC. Ensaio erudito e assertivo, vai direto ao cerne de uma das questões mais propaladas pelos deslumbrados da IA, a criatividade intríseca dos sistemas e a visão da arte ao carregar de um prompt, mostrando que o criar vai muito para além destas dimensões redutoras, mas não descartando o potencial enorme da IA Generativa nas mãos de artistas.