quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Illuminations: Stories


Alan Moore (2023). Illuminations: Stories. Londres Bloomsbury.

Figura incontornável da história dos comics no final do século XX, criador de alguns dos mais influentes e seminais livros do género, Alan Moore não se fica pela escrita de argumentos. Este Illuminations recolhe alguns dos seus contos, e faz muito sentido que Moore também dê umas tecladas como contista. Dizem os rumores que os seus argumentos de BD são hiperdetalhados, e não é difícil transpor essa estética para a literatura.

Dos contos, talvez o primeiro, Hypothetical Lizard, seja o que mais associamos ao tipo de estéticas que Moore explora em banda desenhada, especialmente se fora dos espartilhos criativos das majors. É um conto em cenários exóticos de fantasia, a olhar para questões de identidade e vingança. Segue-se Not Even Legend, uma críptica e bem humorada brincadeira com os amantes de lendas urbanas, teorias da conspiração e criaturas míticas. Location, Location, Location é daquelas histórias que também faz sorrir, um imaginar de um apocalipse bíblico, com um jesus a tomar conta do jardim do pai que por acaso fica numa cidadezinha inglesa, e toda a humanidade a ser arrebatada para os céus, exceto uma jovem advogada, porque mesmo no fim dos tempos, faz jeito ter atenção aos pormenores legais. Cold Reading é uma das mais eficazes e arrepiantes histórias de terror que li nos últimos tempos, com um final perfeito (a menos que se seja o protagonista do conto). Em The Improbable Complex High-Energy State, Moore atreve-se a imaginar um universo, e vida inteligente, a desenvolver-se no instante de Planck, uma minúscula eternidade que nasce e se extingue com o big bang, mas onde as criaturas são atreitas a todos os vícios humanos. Illuminations, o conto que dá título ao livro, é uma história estranha, sobre solidão, memória e tempos que se entrechocam. 

What We Can Know About Thunderman é praticamente um romance dentro de um livro de contos, uma longa história contada sob diferentes perspetivas, tempos, e estilos narrativos se que sente como uma espécie de lavar de roupa suja. O tema é a indústria dos comics, e Moore faz no longo conto uma caricatura implacável e histriónica dos gestores, editores, principais criadores e empresas que marcaram a evolução do género. Diria que o tom do conto é Moore a purgar as suas frustrações e a vingar-se, com imenso bom humor, sobre o comercialismo da indústria. O tom de humor é mantido em American Light - An Appreciation, essencialmente um spoof à crítica literária, com um poema pretensamente beat a ser anotado por um académico. And At Last, To Be Done With Silence é o remate perfeito para o livro, um conto ambiguo onde não percebemos se os personagens são viajantes ou almas penadas.

Fãs de Alan Moore irão apreciar estes contos, que mostram diversas facetas do criador, bem como o seu génio imaginativo, capaz de conjurar mundos estranhos cuja lógica interna é implacavelmente funcional.