Esta semana, destacam-se sugestões e novidades literárias, o destino da crítica de cinema na era dos influencers, e as ironias da autocrítica como instrumento de marketing. Olha-se para o novo formato standard de ficheiros para mundos virtuais, o potencial da IA Generativa na música, e a conservação de arte digital. Reflete-se sobre os problemas da viralização da ciência, as más consequências dos viéses de pensamento, e a economia da nostalgia.
Ficção Científica e Cultura Pop
“2001 and Beyond” by Attila Hejja, 1981: 2001 já foi há tanto tempo.
«Como Flutuam as Pedras», de Pedro Moura e João Sequeira: Uma novidade que promete ser assustadora, com um dos mais destacados nomes da BD portuguesa no argumento. E, a julgar pelas pranchas na antevisão, visualmente interessante. Edição da Seita.
Freezing Out The Critics, Ushering In The Influencers: Este artigo insurge-se contra a tendência dos estúdios mimarem influencers e ignorarem os críticos de cinema tradicionais, mas esquece um pormenor: para os estúdios e produtores, o cinema não é arte, é produto comercial para gerar lucro. Podem até vestir o manto artístico para ter acesso ao prestígio e validação cultural, mas no mais fundamental, o que lhes interessa é lucrar com o filme. E hoje, os divulgadores que mais garantias lhes dão que passam a palavra e levam pessoas às salas são os influenciadores. Este investimento ainda tem vantagens adicionais: como discurso intelectual é coisa que não abunda para esses lados, os estúdios têm a garantia de comentários positivos aos filmes, algo que quando se fala com críticos de cinema, não é de todo garantido.
One Hundred Years Hence: Antigos futurismos, que nos recordam que ao imaginar futuros, o que realmente estamos a fazer é projetar os reflexos do nosso mundo presente, as suas tendências, pressupostos culturais e estéticos.
Historical Fiction Set Around the World, recommended by Jane Johnson: Livros que nos mergulham na história, através de ficções que partem dos factos históricos e criam empatia com as personalidades, geografias e épocas.
The Psalm for the wild Built – Becky Chambers: Tenho lido com imenso agrado os livros de Chambers, é uma ficção científica refrescante, algo inocente e ingénua, muito positiva e por isso funciona com antítese às distopias da moda.
The Best Science Fiction of 2023: The Arthur C. Clarke Award Shortlist, recommended by Tom Hunter: Os candidatos a um dos prémios que distingue os melhores livros de ficção científica do ano.
Seven Books That Will Make You Put Down Your Phone: É-me um pouco estranha esta ideia de que os telemóveis são os culpados pela dificuldade de concentração dos leitores, até porque isso é muito fácil de resolver, basta desligar notificações ou conectividade. É um daqueles pânicos morais em que apontamos dedo em riste para eventuais causas exteriores dos nossos males, porque a alternativa, que o mal é causado pelo nosso comportamento, é desconfortável.
Ken Stars in the Second Wave of Barbie Movie Dolls: Deparo com esta depois de ficar em estado barbenheimer complete. O filme da Barbie é muito inteligente e pouco subtil (o que não surpreende, é pop americano), e alicerça-se muito em critica à sociedade contemporânea, às dificuldades das mulheres, aos estereótipos de beleza, culturas de submissão, exploração capitalista de ansiedades e estereótipos para garantir maiores lucros (também deu para perceber porque é que os misóginos do online andam com chiliques por causa de um filme sobre brinquedos). E fá-lo de uma forma que nos arranca gargalhadas. No entanto, todo o filme é um exemplo dessa apropriação capitalista das críticas sociais. E se se perguntarem como é que uma grande empresa alinha num filme cuja premissa base é criticar as suas políticas e premissas culturais, reparem: um filme mais normal da Barbie, pensado para crianças, nunca teria o impacto cultural que a versão irónica de autocrítica social está a ter. E com esse impacto, vem a exposição da empresa e dos seus produtos, em viralização cultural. O que só ajuda a vender mais bonecos. É uma das grandes ironias do século XXI, a apropriação de visões críticas por parte daqueles que são criticados, que com isso conseguem simultaneamente passar uma imagem de falso progressismo, e ainda lucrar mais com isso. Vai mais um boneco?
Fifteen free issues of the comics magazine The Nib: Não é uma boa notícia, isto acontece porque a revista irá terminar. Mas não deixa de ser uma boa oportunidade de ficar a conhecer o trabalho gráfico e editorial.
Tecnologia
Victor Moscoso, 1971: Visões psicadélicas.
OpenUSD será el gran estándar de la realidad aumentada y el 3D: Apple, Adobe y Nvidia lo van a imponer: Um novo formato interoperável para realidade virtual, partindo do trabalho da Pixar. Este tipo de iniciativas são facilitadoras do crescimento desta tecnologia, porque permite aos criadores utilizar qualquer software de criação com garantia de compatibilidade. O Blender já suporta este formato, o que é um bom sinal.
The AI Engine that Fits in 100K: Uma resposta ao peso e intensidade computacional dos modelos de IA, se bem que há aqui um truque, o modelo já tem um pré-treino para correr com tão poucos recursos. Mas, é um sinal do desenvolvimento de algoritmos capazes de correr em dispositivos com menor poder de computação.
ChromeOS is splitting the browser from the OS, getting more Linux-y: Estou recém-chegado ao mundo Chrome OS, e já percebi que a estreita relação entre navegador e sistema operativo é um dos seus empecilhos. Este desligar dará maior autonomia ao linux que sustenta o Chrome OS, e com isso, esperemos, melhor acesso à enorme disponibilidade de recursos disponíveis no mundo linux. Claro, tal já é possível com um linux virtual que permite instalar apps que convivem muito bem com o Chrome OS, mas se o sistema da Google se aproximar mais do Linux, trará mais possibilidades.
How AI Is Training On The Work Of Artists It Will Replace: A questão que se coloca é que, de facto, os artistas visuais que trabalham para indústrias criativas estão assustados, os algoritmos parecem ser capazes de realizar o trabalho que já fazem, e são treinados nas imagens que produzem. Mas, será que os públicos querem mesmo consumir conteúdos produzidos a metro? Este exemplo vem da indústria dos comics, que é conhecida pela importância dada pelos fãs, que são leitores e consumidores, aos nomes dos criadores. Estes até podem divertir-se com comics gerados por IA, como experiência estética ou curiosidade, mas de certeza que não vão querer consumir banda desenhada constantemente gerada. Claro, posso estar enganado, e a maior parte do público dos comics pode muito bem estar confortável com o consumo de conteúdo automático.
A Inteligência Artificial e o Ecossistema Informativo: Problemas e potenciais da IA Generativa.
Cómo usar Stable Diffusion XL en cualquier ordenador para crear imágenes por inteligencia artificial: Um colab para correr remotamente SD XL, ajuda a resolver o problema daqueles que querem experimentar estes modelos localmente, mas não dispõem de máquinas com capacidade suficiente para isso.
Threads Has Lost More Than 80% of Its Daily Active Users: Confesso que não estava à espera que o clone do twitter criado pela Meta se afundasse tão depressa.
China To Institute Sharp Limits On Minors’ Use Of The Internet: Preparem-se para o coro de vozes anti-telemóvel (é a cause celebre du jour) a partilhar este tipo de notícias (provavelmente nas redes sociais acedidas pelo seu telemóvel), comentando sobre a sua sabedoria. E esquecendo que: a China é uma ditadura, cerceia as liberdades e direitos dos cidadãos a bel prazer do governo; que este tipo de bloqueios é possível porque a China é uma ditadura, e tudo é registado, inclusive o acesso ao telemóvel, aliás, no que toca ao panopticon digital de hipervigilância totalitária, dificilmente haverá país mais sofisticado. Suspeito, no entanto, que os paladinos da defesa da pureza social perante o pânico moral da moda não se importem muito com a lógica totalitária que permite este tipo de medidas.
The future of AI is video, and it’s coming at us fast: Já se percebeu, e se por agora os outputs são mais ao estilo animação fraca, estão a evoluir depressa.
Trans-Atlantic joint venture aims to build new “international” space station: Uma aliança entre a Airbus e uma empresa americana, para tentar construir sucessoras da ISS em conjunto com a NASA ou a ESA.
FBI Seizure of Mastodon Server Data is a Wakeup Call to Fediverse Users and Hosts to Protect their Users: Isto é preocupante. Percebe-se que o fediverso esteja na mira destas agências, e é de recordar que nem todas as instâncias são povoadas por utilizadores com boas intenções. Mas já sabemos que este tipo de ações também nem sempre está focada em criminosos. Há aqui riscos para a privacidade e liberdade.
Air Force pulls off first AI flight in pilotless plane: Drones integralmente pilotados por algoritmos, demonstrando um dos usos militares da inteligência artificial.
This Borges-Inspired AI Model Can Create Poems Based on iPhone Photos: Uma utilização artística inesperada de LLMs - usar o chat GPT para descrever fotos instantâneas de forma poética.
Noisy Keyboards Sink Ships: Já se sabia que era possível interceptar mensagens através do registo do teclado, mas com ajuda da IA, a coisa fica mais interessante, é possível treinar algoritmos para perceberem exatamente que teclas estão a ser pressionadas. E não há defesa para este tipo de intromissões.
The AI Crackdown Is Coming: Sem grande surpresa, e faz todo o sentido, não podemos admitir a aplicação não regulada de tecnologias na economia e sociedade.
Fiction Analytics Site Prosecraft Shut Down After Author Backlash: Convém recordar que para muitos destes escritores, o que publicam é o seu ganha-pão. Não é por isso surpreendente que reclamem direitos de autor devidos quando se apercebem que as suas obras são usadas para treinar algoritmos generativos.
Some Real Talk About AI In Music: Excelente, este ponto de vista. Assinala que nas mãos dos músicos, a IA tornar-se-á outro instrumento para expressar a sua criatividade. Não há que temer a morte da música, ou a substituição de músicos por algoritmos. Excepto num campo, o da música comercial, que é em si música a metro pensada como decoração auditiva. Mas aí, não estamos a falar de processos criativos, mas sim de produção mecanizável.
Google, record labels working on deal covering musical “deepfakes”: Enquanto artistas e escritores reclamam que os modelos de treino de algoritmos de IA Generativa estão a usar o seu trabalho de forma indevida, a indústria musical segue por outro caminho, o preventivo, e começa a licenciar música para uso em IA. As editoras aprenderam bem a lição do Napster e da partilha de ficheiros, não se vão deixar apanhar em falso como os escritores e artistas visuais.
Disney explores cutting costs through AI use: Não há aqui grande surpresa, nas indústrias criativas a IA Generativa poderá vir a assumir um papel similar ao das ferramentas VFX.
Author discovers AI-generated counterfeit books written in her name on Amazon: Estas chico-espertices têm uma consequência óbvia - vão ser um dos principais argumentos anti-IA. Mas aqui, o problema fundamental não é a tecnologia, é a boa e velha desonestidade humana.
Can a Digital Artwork Outlast a 19th-Century Painting? The Answer Is Complicated as Artists, Dealers, and Conservators Battle Obsolescence in the Field: Bem, a resposta é complicada. Obras de arte digital foram concebidas em software antigo e correm em hardware obsoleto, o que torna difícil a sua manutenção. As restantes alternativas também são complexas. Há o desligar das obras, fazendo com que se percam. E há a conversão destas para hardware e linguagens mais atuais, o que levanta a questão da originalidade, uma vez que atualizar a obra leva muitas vezes a que esta tenha de ser recriada.
Modernidade
Lust Orgies Of Frustrated Wives: O estímulo do passado é o cringe de hoje.
The LK-99 ‘superconductor’ went viral — here’s what the experts think: Algumas cautelas com esta notícia de um material com potencial supercondutor à temperatura ambiente. Pode ser ciência fraudulenta, ou má ciência (o artigo saiu no Arxiv, ou seja, não foi sujeito a revisão de pares); ou o material pode até funcionar, mas ser impraticável a sua manufatura industrial. De qualquer forma, suspeito que nas próximas semanas se saiba mais, uma vez que muitos laboratórios devem estar por agora a replicar a experiência.
Voyager 2 phones home and says everything is cool: Foi por pouco, e é bom saber que se recuperou o contacto com este artefacto humano que ultrapassou as fronteiras do sistema solar.
The Gift of Bias: How My Wrongful Conviction Helped Me Become a Better Thinker: Uma análise arrepiante de como falácias lógicas e armadilhas de pensamento podem ser altamente danosas para a vida de uma pessoa. Caímos todos os dias neste género de erros, mas nesta história, as suas consequências foram tremendas.
From Duchamp to AI: the transformation of authorship in art: Sim, de facto, as imagens geradas por IA são a manifestação mais recente das estéticas de remistura. Mas, surpreende ver um artigo a falar sobre as origens desta expressão artística e a deixar completamente de lado os Dada, os primeiros a explorar as estéticas da colagem, muitas vezes absurdista e aleatória.
Russia's ghost fleet: Moscow's new oil routes: Como contornar sanções, usando armadores obscuros e transbordos de petróleo em alto mar, que ofuscam a origem das cargas. Receita para desastres ambientais.
A Big Week for Floating Rocks: Outra análise às problemáticas da notícia sobre o potencial material supercondutor à temperatura ambiente. E um lamento que ecoa um dos problemas das redes sociais: "I wish the people who don’t have expertise would not necessarily make loud, declarative statements".
Harnessing the Power of Bloom’s Taxonomy: A Deep Dive into Bloom’s Verbs: um interessante mergullho nas ideias que sustentam a taxonomia de Bloom, uma das mais interessantes estruturas de suporte ao ensino e aprendizagem.
archive.today: On the trail of the mysterious guerrilla archivist of the Internet: Desconhecia por completo este recurso, um arquivo independente que ultrapassa as paywalls dos jornais. Pensem Sci-hub, mas para notícias. Um projeto com financiamento obscuro e independente.
Why We’re Awash In Nostalgic Movies, Ads, And So Much More: De facto, a cultura pop está rendida à fórmula da nostalgia, essencialmente um vira o disco e toca o mesmo, que não nos traz nada de novo, mas tem ganhos garantidos com públicos que se contentam em ruminar variações do que sempre conheceram.
Is TikTok Driving A Rise In Truly Terrible Concert Behavior?: Não sei se a culpa está no TikTok, se na estupidez de alguns espetadores. Grande parte dos comportamentos descritos são de pessoas sem noção, não necessariamente esforços para viralizar da pior forma possível.
'White Collar Robots' Were Coming For Your Job in 1954: Plus ça change. As mesmas predições que hoje fazemos sobre o futuro desemprego trazido pela inteligência artificial, foram feitas quando os computadores se começaram a generalizar. Os desempregos massivos não aconteceram, mas assistimos a outro efeito pernicioso - os ganhos de produtividade laboral trazidos pelo digital não se traduziram em ganhos de rendimento para os trabalhadores, o valor acrescentado foi sugado para os lucros das empresas. Suspeito que os ganhos trazidos pela Inteligência Artificial apenas irão aprofundar mais este desnível.
O incrível ciclo do esgoto na cidade: o que diz sobre a vida dos lisboetas e como torna Lisboa mais verde?: Pode não ser o tema mais in e hip, mas é interessante perceber como a infraestrutura da grande Lisboa trata as suas águas residuais.
El Codex Atlanticus como forma de leer e indagar en todos los trabajos de Leonardo da Vinci: Visualizar a obra do génio do renascimento, organizada e acessível de forma digital.
The Coup in Niger Is About Power. Russia Will Exploit It: Uma análise interessante da situação no Níger, que pode ter começado como algo que foi simplesmente uma revolta palaciana para manter prebendas, mas que está a alastrar para conflito geoestratégico.
Un cura decidió pinchar techno durante la JMJ. Y eso ha abierto un agrio debate teológico: Bolas, o padre Gulherme, uma das estrelas do tiktok português (eu sei, medo, estranheza e bizarria), ganhou fama internacional.
Humanity’s Return to the Moon and the Prospect of South Pole Moon Bases: Será que o Artemis seja bem sucedido, e poderemos finalmente começar a dar passos além da órbita terrestre?