domingo, 20 de agosto de 2023

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Esta semana, destaca-se o olhar perverso de Cronenberg, os vencedores dos Eisner, e Barbie como objeto de arte. Olha-se para os custos da IA Generativa, a morte da Realidade Virtual, e as lições tecnológicas de Oppenheimer. Reflete-se sobre desinformação nas redes, simplificações burocráticas, e o decair da literatura sob ataque da distração digital. 

Ficção Científica e Cultura Pop

NASA concept art by M. Alvarez: Antigos sonhos.

Estive a Ler: Covil de Espiões, Slough House #1: Tenho boas recordações desta leitura, que é mais interessante pelo conceito do que pelo desenvolvimento. E ganhei uma nova expressão para o vocabulário, a "cavalos lentos", que designa demasiado bem pessoas que são colocadas na minha equipe porque noutras, seriam demasiado empatas (na minha também, mas meto-os a limpar o pó a computadores, e assim os danos minimizam-se).

The Most Underrated Sci-Fi Mysteries of the 21st Century: Alguns filmes que passaram um pouco debaixo do radar.

Will Marvel Fans Accept A Blonde Punisher?: Bem, sabemos como os fãs mais tradicionalistas reagem a estas novidades nos comics. Vamos ver no que dá, esta transformação de um dos personagens mais incómodos dos comics. É sempre de recordar que a premissa-base de Punisher é o combate extra-judicial ao crime com extremo prejuízo.

Barbie on the Brain? Here Are 7 Artworks Featuring the World’s Most Famous Doll as Model and Muse: O mundo da arte não é imune aos encantos da boneca icónica, precisamente pelo seu estatuto de ícone, o que permite muitas experiências que exploram significados atribuídos ou conexos à boneca.

«Calipso» (2018), um filme de Paulo A. M. Oliveira e Pedro Martins: Recordo vagamente este filme de alguma sessão do Motelx, e agora, está disponível online.

Watch David Cronenberg's "Four Unloved Women, Adrift on a Purposeless Sea, Experience the Ecstasy of Dissection" (2023), featuring four 18th-century life-size wax anatomical models: Um vislumbre sobre uma instalação que nunca chegará a Lisboa. Há que admitir um certo lado psicopatológico naqueles modelos anatómicos femininos em poses lânguidas, progressivamente desventrados e decepados. O filme que Cronenberg criou para esta exposição sublinha bem isso.

The 2023 Eisner Award Winners Are Here: A preponderância dos comics de super-heróis nesta lista é enorme, por divertidos que sejam não posso deixar de os sentir como deserto cultural. Mas há que celebrar, Tom Gauld, o cartoonista favorito de todos os bibliófilos, ganhou o Eisner para melhor publicação de humor com o seu Revenge of the Librarians.

Este inmerecido fracaso de taquilla es una de las mejores adaptaciones de un cómic de la historia y la tienes en HBO Max: Há quem ache piada à adaptação canastrónica de Dredd com Stallone, de uma forma irónica (e até porque faz jus à iconografia do mundo de Megacity 1). Mas de facto, este filme menos bem sucedido é o que melhor interpreta este personagem clássico da BD inglesa. Claro, mostrar que o sistema de juizes armados que combatem o crime com extremo prejuízo é uma mal velada alegoria aos fascismos, e isso incomoda a experiência de muitos cinéfilos.

Tecnologia


Chesley Bonestell
: Visões retro-alienígenas.

Microsoft Copilot 365 costará 30 dólares al mes. Parece mucho, pero también es una señal: la IA no saldrá barata: Até porque a IA não é barata. Treinar modelos gasta imensos recursos, e usá-los, também. É preciso um enorme poder computacional para que os modelos de IA Generativa nos dêem resultados em poucos segundos. E isso, tem custos.

Don’t Fret, Book Lovers: ChatGPT And Other AI Programs Will Not Destroy Literature: Nisto, sou optimista. Também não considero que se um escritor se socorrer de um LLM, vai gerar literatura a metro. Uma das grandes potencialidades destas aplicações é auxiliar a imaginação humana a ir mais longe, e suspeito que os bons escritores conseguirão criar textos muito interessantes usando as LLM como ferramentas de apoio. Claro, também haverá muito texto a metro, muito output vendido com livro digital, essencialmente entulho a mostrar o lado pior dos usos da IA Generativa. 

When Is Open Source AI Not Open Source AI?: Um aviso, que nos mostra que os modelos pretensamente abertos oferecidos pela Meta, na verdade, não o são, têm muitas restrições contratuais. O que faz sentido, a Meta tem de se proteger de consequências dos eventuais maus usos por terceiros das tecnologias que liberta, mas isto, não representa o espírito da fonte aberta. 

Navigating AI Biases in The Classroom: Estratégias de abordagem à Inteligência Artificial que nos ensinam quais os seus vieses, e como os conseguir ultrapassar.

Want to know where batteries are going? Look at their ingredients: A investigação para o desenvolvimento de baterias com materiais mais sustentáveis, e capazes.

VR is dead: Não é assim tão boa ideia referir a morte da realidade virtual, a tecnologia continua bem viva e a desenvolver-se. O que ocorreu foi algo que quem estuda este campo conhece bem, mais um ciclo em que a tecnologia promete tornar-se mainstream, mas falha. Confesso que nisto, o que não percebo é como é que se pode pensar que uma tecnologia imersiva, cujo uso implica um alheamento total do mundo que rodeia o utilizador, se poderá alguma vez tornar uma forma de computação usual no dia a dia. O poder da RV está nos nichos onde se tem revelado poderosa, e há que reconhecer isso.

What would the internet of people look like now?: E se regressássemos ao mundo digital pré-algoritmos, pré-gaiolas douradas das stacks? Há aqui uma análise mordente da Web 2.0, sempre apontada como a web acessível a todos, porque todos podiam criar e publicar, entre blogs a redes sociais. Mas que, de facto, se tornou a web dos algoritmos, da tirania da constante adaptação dos algoritmos criados pelas plataformas para mostrar e divulgar os dilúvios de conteúdo. Com as coisas a atingir pontos de saturação, entre a progressiva inanidade e extremismo das redes sociais, ou a poluição cultural gerada por inteligência artificial, sente-se uma retração, um regresso aos meios mais clássicos, das páginas individuais aos grupos de conversa, embora agora com novas plataformas para o fazer. 

DOOM on iPhone OS, on Android: Claro que este jogo também pode correr nestes dispositivos. Até seria uma ofensa, para os dispositivos, se isso não fosse feito.

Mastodon's decentralized social network has a major CSAM problem: Confesso que nunca deparei com este tipo de conteúdos, e já uso o fediverso há bastante tempo. O risco é real, mas aqui o trabalho dos moderadores e gestores de instâncias é fulcral, e uma instância que dissemine este tipo de conteúdos é depressa isolada e impedida de aceder ao feed global que agrega as diversas instâncias. Ou seja, o artigo é alarmista, porque as possibilidades de os utilizadores incautos do fediverso são baixas. Claro, pedófilos podem criar a sua própria instância isolada para trocar conteúdos criminosos entre si, mas isso, são outros quinhentos.

MIT's 'PhotoGuard' protects your images from malicious AI edits: Bem, a descrição técnica é impressionante, mas é impressão minha, ou basta uma captura de ecrã para derrotar esta ferramenta?

TikTok is adding text posts: Com a derrocada do Twitter, anda tudo em FOMO, a emigrar para o mastodon, em delirio sempre que é inaugurada mais uma alternativa ao twitter (mas cujo lustre depressa se desvanece, como se nota pela fulgurante Threads, que atraiu o interesse durante algumas horas). Até o TikTok, conhecido por não ser a mais literária das redes sociais, mete a sua lança em África.

The Great PowerPoint Panic of 2003: Na verdade, qualquer que seja o lado da barricada onde nos situemos, a questão é que o uso do PowerPoint (ou, em bom rigor, de qualquer slideware), condiciona a forma de pensar. Requer que sejamos lineares, e demasiadas vezes no suporte o acessório é confundido com o essencial, que é comunicar ideias e não aplicar animações e efeitos. O que importa é a mensagem que transmitimos, a nossa capacidade de a passar, não os rodriguinhos no ecrã. Recordo uma aula no IEUL onde, ao discutir isto, um destacado professor e investigador observou que quando iniciava a preparação de uma palestra, começava por estruturar o powerpoint. Isso deixou-me a pensar no quanto usar essa ferramenta nos modela o pensamento. Pessoalmente, tenho feito um esforço para não usar slideware, exceto se for mesmo necessário. Em aulas, formações e workshops, recuso-me a seguir o espartilho linear dos slides.

The People Building AI with 'Existential Risk' Are Really Not Getting 'Oppenheimer': Qual é a surpresa, ver que os techbros amantes do move fast and break things (porque que se danem as consequências, os estilhaços, outros que resolvam) atiram completamente ao lado do significado de um filme como este? A história de Oppenheimer é sobre controlar o incontrolável, enfrentar as consequências negativas de uma tecnologia que é uma ameaça existencial. Não é esse o princípio dos bros de Sillicon Valley.

ChatGPT Is Replacing Humans in Studies on Human Behavior—and It Works Surprisingly Well: Deixa-me ver se percebi - usar o ChatGPT para responder a questionários comportamentalistas e atitudinais, em vez de os aplicar ao verdadeiro objeto de estudo, que são as pessoas? O que é que poderá correr mal?

Modernidade

Walt Disney’s Epcot Center: Creating the New World of Tomorrow: Visões que decaíram no futurismo corporate das utopias neoliberais.

Study: Turns Out There Are Effective Strategies To Counter Bullshit: Óbvio. E todas passam por... desenvolver sentido crítico, ou seja, Educação.

Desinformação e redes sociais: Confiar na auto-regulação das redes sociais parece-me ingénuo, são detidas por empresas que querem lucrar, e lucra-se mais facilmente com ambientes tóxicos do que com combate à desinformação. Como este texto observa, a chave está na educação, no desenvolvimento do sentido crítico. Ou seja, como tantas coisas fundamentais para a nossa sociedade, passa pela escola.

Why Do Neo-Nazis Keep Getting Arrested For Child Sexual Abuse Material?: Em parte, porque são obviamente más pessoas. Mas há também uma corrente especialmente extremista preocupante, que desafia os que caem nela aos piores abusos, para mostrarem que estão acima dos tabus sociais.

Praias desertas e cavalos selvagens nas margens do rio Tejo. “É como se estivéssemos em África ou noutro continente”: Um olhar para as lezírias e mouchões do estuário do Tejo, essa zona de avieiros e natureza que se espraia às portas de Lisboa.

As 20 medidas do Ministério da Educação para aliviar a burocracia nas escolas: Isto é um bocado atirar areia para os nossos olhos. A dita burocracia excessiva na educação tem uma razão de ser, que se prende com a necessidade de justificar tudo o que é feito, perante a tutela, os pais e encarregados de educação, e os pares. Parece giro aliviar as atas de conselho de turma de referir atividades desenvolvidas, mas depois coloca-se a questão de as comprovar para efeitos de avaliação de docentes (e isso, tem implicações direta nos salários). Autorizar que muitas das reuniões que se fazem, possam ser efetuadas online, é daquelas ideias a que se responde: só agora? E, lá está, o problema real da burocracia portuguesa, só se pode fazer alguma coisa com autorização superior. Reduzir procedimentos administrativos nas visitas de estudo até parece boa ideia (o lado financeiro disso é hediondo, com impossível gestão de pagamentos), mas há que recordar que levar crianças em visita é assumir responsabilidade pela segurança de menores. E depois há esta, que revela que quem pensa nestas coisas não conhece a fundo os campos sobre os quais propõe medidas: "Alargar a realização de formação contínua, nos Centros de Formação de Associação de Escolas, do pessoal docente e não docente, na modalidade e-learning". Isto desde há muito que é possível, basta que os formadores ou centros de formação as proponham nessa modalidade (já dou formação acreditada à distância desde 2016, sei do que falo). Claro, podemos discutir se a acreditação de formações é uma burocracia de utilidade duvidosa, mas recordemos para o que serve, é uma certificação, um garante de qualidade técnica e pedagógica. Se depois é ministrada com essa qualidade, isso é outra conversa, mas creio que todos concordamos que participar numa formação certificada tem mais valor do que ir para um vão de escada aprender sobre mindfulness holístico pineal pedagógico, a acreditação é o que separa o trigo da banha da cobra.

Half a million arts & entertainment enterprises in the EU: É interessante ler estas estatísticas sobre empregabilidade nas indústrias criativas europeias, e perceber que Portugal é o quarto país da UE com mais empresas ligadas a estas atividades.

Borax is the new Tide Pods, and poison control experts are facepalming: Bem vindos ao século XXI, onde as utopias do acesso à informação embatem nos escolhos da pura ignorância.

How Our Digital Devices Killed Literary Fiction: Por vezes leio estes artigos e penso que o real mal em evidência é o escritor não se ter apercebido que está... mais velho. Sim, é verdade que hoje os estímulos são em muito maior número do que na década de 90, o ler profundo compete com as notificações, o multimédia. Mas isso, controla-se (vão por mim, a vossa vida será bem mais tranquila, e produtiva, se desligarem as notificações constantes dos dispositivos e passarem a consultar os serviços online quando quiserem, e não quando o toque vos distrai). Confesso que também sinto esse declínio de atenção, há anos atrás devorava livros em menos de um dia sem esforço, e isso hoje, é impensável. Por outro lado, olho para a quantidade de responsabilidades que acumulo, e isso é uma sobrecarga cognitiva, vejo aí a minha dificuldade em encetar leitura profunda, ou deixar-me levar por um livro até à última página de uma só assentada. Mas, desculpem o meu resmungo, este texto é muito mais rico do que o já (e sempre) estafado antigamente é que era bom.