domingo, 26 de março de 2023

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Esta semana, destaca-se a limpeza das palavras de Roal Dahl, os mundos do booktok, e mulheres fatais da ficção científica. Fala-se da crise netflix, dos mais antigos metaversos, e do mais recente escândalo de influência digital em processos eleitorais. Olha-se para as falhas fundamentais do sistema educativo, as peças mais basilares de arte digital, e o largar tudo pela sensação de beleza.

Ficção Científica e Cultura Pop

Paul Kirchner’s Dope Rider: Sim, nós sabemos.

New Edition Of Roald Dahl Books Alters Text To Remove Words Like “Crazy’ and “Fat”: Esta é uma tendência preocupante. É compreensível que as palavras e textos de autores do passado nos ofendam, são muitos os livros que vou lendo que elogiam formas de estar e atitudes que francamente considero de ética reprovável. Mas não nos podemos imunizar perante estas sensações alterando as vozes do passado, passando-lhes um paninho da lixívia e mel representativo das tendências culturais contemporâneas. Sim, os grandes escritores do passado foram racistas, sexistas, misóginos, ultranacionalistas, enfim, tudo aquilo que hoje, por termos evoluído socialmente, desprezamos. Mas fingir que não o foram, forçá-los ao esquecimento com culturas de cancelamento, ou adulterar as suas palavras para que o desagradável nos soe agradável, é mostrar um enorme medo de encarar o passado. 

Refik Anadol: Uma análise à mais recente obra deste artista, que gera resultados visuais a partir da aplicação de machine learning à base de dados visual das obras do acervo do MOMA. Que mostra bem o que a IA Generativa realmente faz, um remisturar estético das iconografias do passado, gerando um novo que é em tudo similar ao que já se fez.

Understanding The Wonder That Is BookTok: Onde os fãs de livros se reúnem nas redes sociais, para falar do que gostam, dos autores que os tocam, dos livros que os intrigam. Há de tudo, desde amadores que falam do que realmente gostam a influencers a inundar fyps com as suas técnicas de marketing mascaradas de falsa informalidade e autenticidade. O pormenor é que funciona, saem daqui sucessos literários, e passa completamente por baixo dos radares institucionais, afinados para as redes sociais clássicas.

10 Marvel Comic Covers That Aged Poorly: Capas fortemente sexistas (para além do já clássico fan service), racistas ou apenas com estéticas muito desatualizadas.

Tetris — Official Trailer: A história do desenvolvimento deste jogo clássico, entre a união soviética dos anos 80, e a sua globalização como fenómeno praticamente viral, é fascinante. Há um livro de banda desenhada excelente, sobre essa história. Terá sido a base desta série? 

Five SF Works About Climate Change Published Before the 1980s: Ainda antes de surgir o cli-fi como tendência literária, já os autores de ficção científica se perguntavam o que seria viver num mundo cujo clima se alterou. Alguns destes livros são os esperados, como os apocalipses psico-ambientais de Ballard, outros são inesperados. Vindos de um tempo antes de se falar de alterações climáticas, estes livros olham para cataclismas ou guerras destrutivas como os geradores das alterações. 

The femme fatale is never more fatal than in sci-fi: Um olhar para as mulheres fatais da Ficção Científica no cinema, das mais clássicas às sagas cinematográficas contemporâneas.

How the New Winnie-the-Pooh Horror Movie Blood and Honey Came to Exist: Um filme que irá traumatizar seriamente os viciados nas estéticas delicodoces da Disney. Possível, porque alguns dos personagens (e, sendo específico, alguns dos aspetos visuais dos personagens) criados por Milne passaram a domínio público, acabando-se com o seu monopólio pela empresa do ratinho. Claro, esta adaptação tem um bom gosto duvidoso, e não me surpreenderia se fosse usada como um argumento para encontrar formas de estender ainda mais a vigência de direitos de autor após a morte dos criadores, porque, pensemos nas criancinhas, que podem ver a sua inocência traumatizada com a exposição a estas degenerações, todos sabemos que a propriedade sobre os ícones culturais deve estar sob alçada de empresas responsáveis. Estou a ser irónico, claro, mas foi exactamente este o argumento da Disney nos anos 80, quando o icónico Mickey estava prestes a cair em domínio público devido à duração legal dos direitos de autor após a morte do criador, e a empresa fez uma enorme e bem sucedida pressão para ampliar a duração dos direitos de autor. 

Tecnologia

Photo: Apropriações de inconografias.

Science fiction publishers are being flooded with AI-generated stories: Isto não surpreende. Suspeito que o mesmo se passa noutras revistas literárias, o editor da Clarkesworld apenas foi publicamente honesto. E aponta para um futuro próximo onde grande parte da produção cultural será automatizada, pelo menos as para mercados de consumo rápido.

The Kindle Store has a prolific new author: ChatGPT: Isto não surpreende, era apenas uma questão de tempo para aqueles que gostam de tentar fazer dinheiro rápido usassem estas ferramentas. Notem, isto não é literatura enquanto arte ou cultura, é a leitura enquanto bem transaccionável, a escrita a metro que nem se destina a ser lida com atenção.

Travel the World Looking for Retro Tech, Virtually: A planear uma viagem e a querer aproveitar para visitar um museu ou espaço dedicado a tecnologias antigas? Esta ferramenta ajuda.

Netflix Crossed a Line: Como não uso serviços de streaming, não consigo fazer parte dos indignados que, face a uma decisão empresarial para lhes sacar mais dinheiro, decidiram cancelar o serviço. A visão de Bogost fala das formas de monetizar serviços adicionais que são inerentes ao bem ou produto original. Se ao entrar numa loja para fazer uma compra nos dissessem que para sair com o bem acondicionado, teríamos de pagar à à perte um saco com publicidade impressa à loja, acharíamos isso ridículo... ah, espera, isso também já acontece.

Hugo Gernsback's Complaint About 3D Movies in the 1930s Is Identical to the Metaverse's Biggest Problem: Certeiro, e presciente. Se se precisa de enfiar um dispositivo pesado na cabeça para sentir a imersividade dos mundos virtuais, isso significa que a ilusão está quebrada à partida. 

Welcome to the oldest part of the metaverse: Devo dizer que é surpreendente saber que o clássico Ultima Online, o primeiro mmorpg a saltar do espaço textual dos MUDs para ambiente gráfico 3D, continua ativo e com uma legião de fãs. O seu historial é mais do que a história de um jogo, mas sim de um ambiente social que teve de evoluir as suas próprias regras de sociabilidade e governança. Talvez a maior lição deste jogo é perceber que o mais fundamental num espaço virtual não é a componente técnica, mas sim a forma como é governando, gerindo a aleatoriedade dos comportamentos dos seus utilizadores.

“Leaves Me Feeling Cold And Creeped Out”: The Washington Post’s Critic Checks Out AI-Generated Music: Apesar de parecer, o artigo não é um resmungo ludita sobre a inteligência artificial generativa. Até pelo contrário, explora bem os trabalhos e experiências de músicos que incorporam algoritmos nas suas práticas musicais. A irritação está com o outro lado destas ferramentas, com aquelas que geram músicas automáticas, perfeitamente estéreis e anódinas. Mas talvez a verdadeira irritação esteja no que o artigo não diz, que as músicas anódinas e banais sejam aquilo que a grande maioria das pessoas aprecia e quer ouvir (e se duvidam disso, bem, reparem nos sucessos musicais e em toda a música pop). São poucos aqueles que gostam de que a música que ouvem seja intelectualmente estimulante.

AI Search Is a Disaster: A pressa, motivada pelo hype financeiro, em trazer aplicações LLM (tipo chatGPT) para o grande público está depressa a revelar-se desastrosa, com estes algoritmos a mostrar as suas fraquezas. O verdadeiro problema não são os erros factuais, mas sim os enviesamentos e os discursos descarrilados.

How should AI systems behave, and who should decide?: Não por acaso, dado que o ChatGPT está depressa a passar de novidade brilhante a exemplo do que pode correr mal com a inteligência artificial generativo, a Open AI mostra as suas linhas-guia para treino e aplicação das suas ferramentas. 

Revealed: the hacking and disinformation team meddling in elections: Duas notas sobre isto: primeiro, a desinformação como modelo de negócio, pronta a usar por quem a queira pagar; segundo, já repararam como as empresas mercenárias na área das ferramentas de hacking ofensivo têm todas ligações a Israel? Antes de apontarem anti-semitismo, deixo-vos só com um nome, Mossad, aquele serviço secreto que está claramente cheio de agentes com um sentido ético impecável, e que depois de prestarem o seu serviço saem para a vida civil e fundam este tipo de empresas.

Bing Is Not Sentient, Does Not Have Feelings, Is Not Alive, and Does Not Want to Be Alive: As polémicas e deslumbres com o ChatGPT parecem-me um caso Eliza à escala global, ou, se preferirem, uma Olympia, recordando o conto de Hoffmann onde um jovem romântico se apaixona por uma bela jovem que, na verdade, é uma criação animatrónica com um reportório muito limitado de ações, limitação essa que o rapaz atribui a timidez e lhe desperta ainda mais o ardor romântico. Plus ça change, gostamos tanto da ilusão de que as máquinas que usamos estejam vivas e conscientes.

Factory Photos Show Fully Private Space Station Under Construction: Ainda vai demorar uns anos a ser lançada, mas é de notar que os módulos da estação espacial concebida pela Axiom estão realmente a ser construídos. Num tópico em que a grande maioria dos projetos não passa de vaporware, é interessante ver isto.

The First-Ever International Killer Robots Summit Was a Human Rights Flop: Não há aqui grande surpresa. Preocupação com direitos humanos não é uma das características da indústria dos armamentos. 

Microsoft’s Unhinged Chatbot Is a Huge Business Win: Toda a história de como a Microsoft introduziu o seu chatbot de IA é inacreditável. A tecnologia é fascinante, mas ainda muito problemática, e certamente que não tendo ainda a fiabilidade para implementação num motor de pesquisa, porque o risco de gerar informação errada é demasiado alto. E isso aconteceu, o chatbot tem vindo a falhar redondamente. O estranho é que está a ser considerado um sucesso. A razão é simples, e vem daquele velho lema de que não existe má publicidade: fala-se no Bing, aquela ferramenta que aposto que nem os microserfs usam, e isso é bom para as finanças da Microsoft. Isto está errado a todos os níveis éticos, reparam, um gigante tecnológico implementou deliberadamente uma ferramenta de fraca fiabilidade na geração de informação, apenas para dar destaque aos seus serviços. 

Kombucha electronics? Sure, why not?: Usar biotecidos gerados pela fermentação de kombucha para suportar tecnologias wearable. Por cá, o Fablab Lisboa anda a experimentar com isto.

AI Is Getting Awfully Good At Designing Buildings. So What Happens To Architects?: O medo, não é o da inteligência artificial ir substituir totalmente os arquitetos, mas sim o de retirar empregos, uma vez que a combinação humano-algoritmo permite trabalhar mais e de forma mais eficaz do que a forma tradicional.

Modernidade

Chris Moore, 1984: Ready for my close-up.

The Limitations Of Our One-Dimensional Schooling: Confesso, li este artigo, e algo ressoou. A começar pelo caracterizar da visão utilitarista da educação como muito redutora, por muito novas roupagens que se lhe queiram dar, como substituir "aprender factos" por desenvolver competências", a corrente tendência pedagógica. Porque tudo isso disfarça um problema estrutural dos sistemas educativos, um daqueles que todos sabemos que existe mas não falamos dele, é que não passam de máquinas de certificação de jovens e o gosto pelo aprender, de que tanto se fala, fica normalmente do lado de fora dos portões da escola. Porque quem se apaixona por um tema, por uma ideia, aprende, mas esse processo é demasiado aleatório e pessoal para se encaixar na estratificação dos sistemas de ensino, bem como assustador, de um ponto de vista sistémico, que haja vontade de aprender e explorar, mas sem um mapa estanque do processo com um objetivo utilitário muito bem definido a atingir. E, confesso, penso que só me tornei um professor com algo de interesse a partir do momento em que abandonei o estabelecido e passei a trabalhar de acordo com os instintos que me dizem que é preciso fazer diferente, que os tipos de trabalho educativo a cumprir programa eram por si só estéreis, que era bem mais importante expor os meus alunos ao incrível potencial da tecnologia digital do que fazer trabalhos mecanizados a explorar a teoria da cor ou a ensinar a formatar tabelas num documento, que são tão ao gosto da generalidade de pais e professores por darem a falsa sensação de que se aprende alguma coisa. E dizer até aos alunos que, provavelmente, não irão gostar de tudo o que tenho para lhes ensinar, mas não vem daí mal ao mundo por isso, cada um tem as suas escolhas e aptidões. Não sou um excelente professor, embora quando mostro o que se faz nas minhas aulas e projetos desperte a atenção e os elogios de colegas ou pessoas que, demasiadas vezes, me dizem que não achavam possível que se fizesse aquilo na escola, muito menos pública. O que me interessa, é que os alunos entram na aula a sorrir, e assim também saem (claro, nem sempre, o dia a dia é aleatório e nem sempre corre como queremos).

Revisit the Dawn of the Digital Age Through These 9 Key Works From LACMA’s Exhibition on Early Computer Art: Um olhar para as peças que mostraram que a computação também poderia ser uma linguagem artística. Atrever-me-ei a sonhar com o MAAT a albergar esta exposição?

Sumerian tavern with food found in Iraq: Uma descoberta fascinante, que nos leva a conhecer melhor o dia a dia dos antigos sumérios.

All the Beauty in the World: Deixar a lufa lufa dos empregos contemporâneos, com a sua pressão pela caça ao sucesso, e encontrar uma forma de vida mais contemplativa. Confesso, sinto uma pontinha de inveja.

Los cuadernos de Marie Curie siguen custodiados en cajas de plomo 90 años después de su muerte. Y lo estarán aún durante siglos: Isto faz recordar o enredo de O Nome da Rosa de Umberto Eco, mas na perspectiva da história da era atómica. 

The post-Cold War era is gone. A new arms race has arrived: A invasão russa da Ucrânia mostrou que o mundo continua a ser um lugar perigoso, e as democracias ocidentais estão a começar o processo de inversão dos baixos investimentos militares. Sente-se no ar brisas de uma nova guerra fria, mais complexa e multipolar.

The Children of the Nazis’ Genetic Project: Um resquício do nazismo, que sobrevive no corpo daqueles que foram filhos de soldados das SS, criados em lares especiais para estimular a procriação da pura raça germânica.