segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Viagem a Ver o Que Dá


Altino do Tojal (1993). Viagem a Ver o Que Dá. Lisboa: D. Quixote.

Mais uma etapa na minha viagem inesperada de descoberta de Altino do Tojal, e, novamente, um mergulho num mundo de inesperado onirismo. Mas, também, a descoberta de um lado mais ácido no autor, algo que se vislumbra noutras obras, mas aqui é um dos elementos estruturais. 

Apesar dos seus sucessos, comerciais  e amorosos, um escritor vive uma vida amarga num quarto alugado. Contempla o suicídio, dando uso ao revolver que herdou do avô. É aí que intervém um vizinho de casa, homem anónimo cuja vida de solidão nunca o levou a lado nenhum. O desafio é o de partir, ir estrada fora, sem rumo ou destino, a ver onde se chega. Apesar de todas as suas reticências, o amargo escritor faz-se à estrada com o inesperado companheiro. 

Não há destino, mas há uma paragem final. Há limites para o que um carro aguenta. É assim que os viajantes acordam numa serrania coberta de neve, acordados por um jovem com um burro que contrabandeiam bacalhau. É o ponto de partida para o mergulho numa aldeia bizarra, dominada por um monarca e sua corte, sempre em guerra contra a aldeia vizinha que é uma república. Estes são os mundos surreais onde há um rei agricultor, um presidente alfaiate, uma intratável professora primária que se suaviza ao apaixonar-se pelo companheiro de viagem do escritor. Ou uma velhota viúva depois de se casar já idosa com o homem que sempre amou, e um jovem contrabandista com o seu inteligente burro. Há até um amor interdito entre os filhos do rei e presidente desavindos, que se deslinda numa natalidade num casebre de montanha. 

A depressão da vida urbana é contrastada pela bizarria fantástica do ambiente da aldeia. Aqui o lado de fantasia é assumido, mais pelo lado surrealista do mundo inesperado que se encontra no fim da viagem. É também um livro ácido e algo cáustico, a personagem principal esforça-se em toda a linha por ser desagradável e execrável. Algo constante nalgumas personagens masculinas do escritor, que são mostradas como pessoas intratáveis, cujas ações são repugnantes. E, apesar do lado fantasista, Viagem a Ver o Que Dá é um livro profundamente amargo.