segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Mi Chiamo Dog


Li, finalmente, L'Alba dei Morti Viventi, a primeira história de Dylan Dog. Não é a última leitura do ano, tecnicamente. Não encontrei uma primeira edição dos anos 80 nalgum alfarrabista italiano. E se foi reeditada na fantástica coleção Il Dylan Dog di Tiziano Sclavi, livros de capa dura e coloridos que reeditam as melhores histórias do personagem, deixei essa edição nas bancas da Bonelli Point. A colorização não traz nada a história, esta primeira aventura tem de ser saboreada a preto e branco. Esta leitura faz parte de uma coletânea que inclui outras histórias clássicas. Como ainda faltam mais quatro (incluindo o avassalador Memorie Dall'Invisible), um quinto de um livro não faz a última leitura finalizada do ano. Apanhei-a na secção de livros em segunda mão de uma livraria em Navigli. É um pouco por isto que não encomendo muito via internet. Desta forma, trago livros e memórias.

Porque é que destaco isto? Pela forma como Sclavi nos apresenta aquele que viria a tornar-se um dos mais influentes e interessantes personagens de fumetti (lamento, fãs de Tex, de que por cá há tantos, mas o western é démodé). As primeiras páginas são dedicadas ao estabelecer do ambiente narrativo da história, e quando finalmente somos levados pela primeira vez ao número 7 de Craven Road, a introdução ao personagem não é imediata. Levamos com a campainha que soa a gritos, descobrimos o humor absurdo de Groucho, antevemos aquele hall cheio de memorabilia de horror, e finalmente a sequência que nos dá a conhecer Dylan. No início de uma prancha, primeiro de costas, e em seguida em retrato, com esta apresentação, ponto de partida de tantas e tão boas histórias. Outros argumentistas colocariam logo o seu personagem principal a apresentar-se nas primeiras páginas. Sclavi conhecia o valor do efeito adiado.

Curiosamente, existe mesmo uma Craven Road em Londres, mesmo ao pé da estação de Paddington. E no número sete há um café dedicado a Dylan Dog. Não é um local extraordinário, fiz questão de ir lá tomar um english breakfast numa manhã de neve. A recordação que de lá trago é a de dois agentes da metropolitan police a questionar o dono do café sobre que personagem era aquele que estava nos azulejos da casa. Like a super hero? Nem por isso. Prometo que da próxima vez que tiver oportunidade de lá ir, levo um Dylan Dog para ler enquanto bebo uma fumegante chávena de english breakfast.

Foi aqui que tudo começou. A primeira história de Dylan Dog, onde Tiziano Sclavi nos dá desde logo os traços gerais que se tornaram quase imutáveis. A campainha que grita no número sete de Craven Road, a casa cheia de memorabilia do fantástico, o toque do clarinete, o humor idiota de Groucho, o modelo de galeão que Dylan vai construindo (até hoje, não o terminou), a sua relação romântica com as mulheres com que se cruza, o caráter de aventureiro algo impotente, que apenas vê no sobrenatural como a hipótese que sobra depois de descartar as restantes. A única diferença que li neste Dylan inicial é um certo humor ácido, e não o ar nostálgico que depois viria a adquirir. A história em sim é brilhante, um início à altura da personagem. Sclavi faz aquilo a que nos habituou, criar histórias originais cheias de referências à literatura e cinematografia de terror. Para além das óbvias - morti viventi é uma história de zombies, temos demónios (se bem que Xabaras se irá converter mais tarde em pai de Dylan), toques de Frankenstein (completos com geradores vandegraaf) e uma genial referência visual a The Exorcist (basta uma vinheta, com uma criança zombie).

É bom ter terminado este ano de 2018 com a leitura de um momento marcante da história do fumetti.