domingo, 30 de julho de 2017
Bang! #22
Por vezes, normalizamos de tal forma o que é pouco habitual por costume, que acabamos por já nem reparar na continuidade de projetos que por cá se caracterizam por serem fugazes. É o caso da revista Bang!, que continua a contrariar a tendência da inexistência de projetos de publicação regular na área do fantástico. E ainda por cima, gratuita. De quatro em quatro meses sabemos que podemos contar com a equipa editorial liderada pela Safaa Dib para nos colocar nas estantes das lojas FNAC mais uma edição recheada de artigos, contos, novidades literárias e banda desenhada. Uma anomalia, no panorama cultural português, onde só o mainstream tem visibilidade e valorização crítica.
Se bem que confesso que ultimamente tenho lido a Bang! apenas por causa dos artigos. É mesmo esse o grande ponto que diferencia esta revista, o desafiar autores, colunistas, investigadores e fãs a partilharem o que gostam e o que sabem sobre os seus gostos. A ficção em contos está a passar-me ao lado, mais por fadiga do que por falta de interesse, e os artigos sobre edições da Saída de Emergência geralmente lêem-se na diagonal, que este menino é mais FC do que fantasia épica/medievalista/sword and sorcery. Faz parte, é o preço a pagar pela gratuitidade da publicação, e sublinhe-se que a Bang! não foca exclusivamente as edições da sua casa-mãe, embora lhes dê um óbvio destaque. A Saída de Emergência já foi, do meu ponto de vista, uma editora mais interessante, mas percebo a necessidade de sobrevivência no mercado com focalização num público alvo. Uma perceção que não vejo no fandom, geralmente agastado porque a SdE não publica exclusivamente aquilo que consideram ser meritório. E, no entanto, no meio de tantos títulos que para os meus gostos literários são mera tralha, a editora lá vai inventando forma de trazer para o mercado português edições de referência. Podemos apontar a teimosia em editar os contos traduzidos de Lovecraft, ou a recente edição de The Dispossessed de Ursula K. LeGuin, com tradução que suspeito ser melhor do que a primeira, como dois dos mais recentes exemplos desse esforço da editora.
Note-se que é todo um caldo que faz sentido. Podemos não ficar agradados da primeira à última página, e ainda bem. Significa que a revista consegue oferecer um pouco a cada tipo de fã, incluindo os da FC. Esta edição foi uma das raras exceções em que os contos também fizeram parte minha leitura. Não resisto ao lovecraftianismo de Um Estudo em Esmeralda de Neil Gaiman e A Vingança de Babel de Carlos Silva é um excelente momento de weird fiction, entre o horror e a FC.
Recordo de ter descoberto por acaso, no espaço de quase livraria da Papelaria União em Torres Vedras, perdida no meio de livros que nem me recordo sobre o que eram, o lendário número zero desta revista. Está ali guardada nas minhas estantes, e de lá não sai. Não foi um projeto editorial fácil, desde os primeiros números com edição independente do Rogério Ribeiro à fase estritamente digital (mas em PDF, o que a tornava algo ilegível em ecrãs) dos primeiros tempos sob a égide da Saída de Emergência, até à sua normalização com edição regular em papel. Mas tem tido continuidade. De tal forma que o lançamento de mais uma edição já não desperta a atenção da blogoesfera, nem nos damos ao trabalho de noticiar mais um número da Bang!. Apesar disso, continuo a inventar espaço na agenda para passar pela FNAC mais próxima com a maior celeridade possível, sempre que é anunciada uma nova edição. Sei que vale a pena a sua leitura, apesar daquela estranha tendência para aplicar um design de página diferenciado para cada artigo, nalguns casos roçando a ilegibilidade (porque texto Times New Roman branco em três colunas apertadas sob fundo azul escuro com pinta brancas, caso do artigo do António Monteiro neste número, deixa-me a pensar que ando a ficar seriamente pitosga por ter dificuldades em lê-lo, até me recordar que não preciso de óculos). É uma das peculiaridades desta publicação.