quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Hail Hydra


Um dos defeitos, ou talvez virtude, dos comics enquanto género é a sua repetição cíclica. Os limites são estreitos, e em títulos com longas histórias de edição boa parte dos leitores não conhece o que está para trás. Num meio em que as origens estão constantemente a ser revistas, recontadas, reformuladas e reinventadas, é fácil perder o fio a uma meada acessível apenas aos fãs mais aguerridos de uma personagem.

A tira reproduzida acima saiu da revista Tales of Suspense #65, editada em maio de 1965 e reproduzida no Captain America Masterworks vol. 1. É uma das histórias originais de Stan Lee e Jack Kirby do Capitão América, escrita nos anos 60, quando a Marvel deixou de lado os títulos de western e romance para se focar nos super-heróis. Nesta, segundo capítulo da origem de Red Skull, vemos o impensável: o símbolo máximo do patriotismo americano a jurar fidelidade ao III Reich.


Soa familiar, não soa? Recentemente, o fandom ficou escandalizado por esta surpresa contida em Steve Rogesr Captain America #01. Novo título da Marvel, dedicado ao seu mais icónico personagem, surpreendeu todos graças a esta vinheta em que o sentinela da liberdade revela a sua lealdade à Hydra, organização que combateu desde sempre. O tom geral do fandom era de desilusão. Será que toda a mitologia do personagem iria ser revelada como falsa, anulando décadas de histórias? Bem, sendo o mundo dos comics o que é, claro que a reposta é mais elaborada e previsível. O Capitão encontra-se sob efeito de um artefacto cósmico cúbico, apropriado por Red Skull para lhe alterar as memórias em mais uma das suas vinganças contra o seu arqui-inimigo, que sabemos, pela própria natureza do género, que falhará redondamente.


Nos anos 60, bastou um gás hipnótico para fazer o serviço do cubo cósmico. Claro que o herói irá recuperar a sua memória a tempo de evitar uma catástrofe, que nesta história seria o assassinato de um comandante aliado para facilitar a vida aos exércitos nazis e desacreditar o Capitão. Nestas histórias, Lee e Kirby utilizaram as aventuras na II Guerra para criar o substrato do personagem que recuperaram da antiga Timely Comics. Curiosamente, uma estratégia similar à que foi desenvolvida no universo cinematográfico que a Marvel tem sabido aproveitar bem. O filme que introduziu a personagem ao cinema desenrolou-se nesta época, terminando com o acordar do personagem nos tempos contemporâneos.


E, por falar em Red Skull e cubos cósmicos... na história He Who Holds The Cosmic Cube, publicada na  Tales of Suspense #80, de julho de 1966, o arqui-inimigo do Capitão apodera-se de um cubo cósmico desenvolvido pelos cientistas da Advanced Idea Mechanics, e prepara-se para dominar o universo. Fica-se com a sensação que ao pegar em Steve Rogers Captain America, o argumentista Nick Spencer fez o seu trabalho de casa, releu as histórias clássicas de Stan Lee e Jack Kirby, e remisturou os seus elementos para chocar um fandom desconhecedor do lado mais arcano dos comics. Os comics vivem muito deste remisturar de material antigo, dando-lhe novas roupagens para se tentarem manter contemporâneos.