quarta-feira, 15 de junho de 2016

Intervalo às Onze da Tarde

 
Nuno Coelho (2014). Intervalo às Onze da Tarde. Lisboa: Edições Vieira da Silva.

Convidou-me o simpático autor deste pequeno livro a dizer-lhe algo sobre a leitura. Em plena feira do livro, local que confesso detestar por razões que me escapam, temi a ideia. Mas não, nada complicado, qualquer coisa, disse. Se achares que foi a pior coisa que leste desde sempre, não hesites em dizer-me. Despedi-me com um so long and thanks for all the fish e fui para casa ler e matutar.

E, lamento. Lamento imenso. Pese à parte a capa, que precisaria de um design mais cuidado (e aquele horrendo tipo de letra do título), este livro não é o pior monte de bosta a desperdiçar tinta e polpa de papel que apanhei nos últimos tempos. Note-se que não escrevo isto porque poderia ser mau, mas nunca tão mau com o último que li, talvez um ponto muito baixo literário agora arquivado nas minhas estantes. É que o livro é bom. Bom não no tedioso sentido prémio Nobel da literatura, mas no sentido cuidado que se podem engasgar a rir durante a leitura.

O que me atraiu ao livro de Nuno Coelho foi uma frase espirituosa partilhada nas redes sociais. Se há algo a que não resisto é a uma boa frase espirituosa, daquelas que brinca intensamente com a língua e os significados das palavras. É irresistível, e os meus alunos sofrem bastante durante as aulas por isso. Toda esta obra vive disso, de um non-sense em aceleração contínua, em sentido de surrealismo clássico bem humorado. A associação livre de ideias está bem viva, e recomenda-se nesta viagem alucinante a uma casa na Transilvânia, Trafaria, com a sua criada lúbrica, estorninhos indigestos, senhoria de fugir, vampiros anti-efeminados e escadas com propensão para ressacas depois de noites de festa rija. A tradição do surrealismo clássico convive com o bom humor absurdista e a linguística à rédea solta nesta belíssima surpresa literária.