terça-feira, 28 de julho de 2015
Das Idades do Mundo
Foi um dos grandes momentos de uma sessão particularmente animada da tertúlia Recordar os Esquecidos, organizada por João Morales, contando nesta com a participação dos escritores Fernando Pinto do Amaral e David Soares. Por entre uma acalorada conversa sobre livros e autores caídos no esquecimento, David Soares recordou o humanista português Francisco de Holanda. E mais do que recordar os seus escritos, mostrou-nos algo que raramente recordamos: a sua obra gráfica. Abrindo um volumoso e pesado tomo fac-similado, deu-nos a conhecer o traço do pintor, arquitecto, cronista e humanista que na Roma renascentista conviveu de perto com Miguel Ângelo.
Francisco de Holanda é recordado mais pela sua obra ensaística do que pictórica, e foram excertos dos seus Diálogos que iniciaram a conversa. Embrenhados pelo pensamento renascentista, esquecemos habitualmente que de Holanda também foi pintor. É curioso que por cá não se dê o destaque merecido à sua obra pictórica, como um dos nomes importantes da pintura portuguesa entre Grão Vasco e Josefa d'Óbidos. Algumas razões residem na quantidade do seu espólio que se encontra em Espanha. Confesso que já passaram uns anitos desde as aulas de história de arte que frequentei, e posso ter andado distraído, mas apercebi-me naquele momento que nunca tinha visto nada pintado ou desenhado por de Holanda.
Foi uma grande surpresa. David Soares apelidou o grafismo simbolista das obras que nos mostrou de proto-blakeano, algo que se tornava cada vez mais aparente a cada página virada. Trouxe-nos a sua cópia fac-similada do Livro das Imagens das Idades do Mundo, De Aetatibus Mundi Imagines. Não sendo livro leve ou barato (estas edições fac-similadas especializadas têm mercado em Espanha, com algumas editoras a apostar no mercado de conhecedores e amantes profundos dos livros antigos), está, felizmente, disponível para leitura online no site da Biblioteca Digital Hispânica.
Infelizmente o leitor de livros digitais desta instituição não está pensado para ser embebido noutras páginas, por isso se quiserem descobrir e deslumbrar-se com o traço deste pintor e humanista português, visitem-no aqui: De Aetatibus Mundi Imagines. Há uma possibilidade de exportar toda a digitalização como PDF, mas a resolução das imagens é muito baixa e não lhes faz justiça.
Em 2008 o sempre intrigante e bibliófilo BibliOdyssey destacou as melhores gravuras das Idades do Mundo de de Holanda, com um post de encher o olho (tão habitual neste site que já nem ligamos). Se o livro nos dá a dimensão da fisicalidade da obra, a acessibilidade do digital permite-nos ficar a conhecer a obra. É interessante perceber que ao falar de livros precisamos por vezes do objecto físico para nos quebrar o ruído do fluxo digital e redescobrir uma das grandes valências da internet: o tornar acessível o bastante inacessível.