terça-feira, 7 de abril de 2015
Swan Song
Robert McCammon (1987). Swan Song. Nova Iorque: Pocket Books.
Isto é horror clássico dos anos 80 em registo grand guignol. Os horrores do sobrenatural e dos jogos geo-estratégicos colidem de forma explosiva neste livro apocalíptico que deliciou João Barreiros, cuja dica de leitura apontei numa edição recente do Sustos às Sextas.
Para mim, este livro encerra mais um elemento de fascínio. Sou filho dos anos 80 e sempre senti crescer sob a sombra dos guarda-chuvas nucleares. É inevitável o fascínio pela loucura atómica da destruição mutuamente assegurada, doutrina militar que quem para ela olha com atenção só pensa "em que raios é que estes loucos estavam a pensar", a proliferação de sistemas capazes de destruir a Terra múltiplas vezes em menos de uma hora (cinco a quinze minutos, no caso dos mísseis lançados de submarinos), a possibilidade muito real de desentendimentos políticos levarem a uma guerra impensável. Mesmo hoje, quando essas ideias parecem memórias de militarismos desvanecidos tão patéticos hoje como os canhões gigantes do final da idade média ou os dreadnoughts navais que encheriam de terror os mares do final do século XIX. Com a diferença da questão dos arsenais nucleares ser, ainda hoje, bem real.
Os primeiros capítulos desse livro são, por isso, um festim sumarento. McCammon despacha depressa o pior dos horrores, porque ainda tem uma longa história para contar. Para os fãs de história alternativa ou exploração de possibilidades de como poderia acontecer as primeiras páginas são uma delícia, com um confronto militar entre os Estados Unidos e a União Soviética a escalar muito depressa para duelo atómico que em poucas horas e em três vagas arrasa as cidades, bases militares e alvos secundários americanos e russos. O próprio presidente americano não ficará a salvo no Air Force One, abatido por um autocarro atirado para os ares por um tornado de fogo nuclear.
McCammon não nos poupa ao tentar descrever o indescrítivel. Depressa passamos da esterilidade tecnológica cirúrgica das antecâmaras de decisão militares para a devastação global numa tempestade de fogo atómico que nada poupa. Fascinante. Mas este romance não é uma distopia de história alternativa ou uma ficção científica pós-apocalíptica. É um livro de terror, que se centrará no sobrenatural desperto pela catástrofe nuclear.
As fornalhas atómicas despertam uma criatura malévola que pode, finalmente, fazer do planeta em cinzas o seu recreio. Criatura diabólica que sempre deambulou pelo mundo, quer agora refazê-lo à sua imagem de demiurgo maléfico. Os poucos sobreviventes por entre as ruínas e a escuridão do inverno radioactivo serão brinquedos para torturas requintadas.
O mundo dos sobreviventes parece conducente ao desespero. Sob as trevas e o gelo, sujeitos à radioactividade numa terra em ruínas onde nada cresce, aqueles que escaparam à morte imediata não se sentem com muita sorte ao vagueram pelas paisagens devastadas. Bandos sem escrúpulos agem como predadores, e uma estranha doença cobre de pústulas o rosto de alguns dos sobreviventes. O pior da humanidade vem ao de cima nos bandos andrajosos que inevitavelmente se organizam em exércitos que sobrevivem a saquear as poucas cidades onde outros sobreviventes tentam resistir. No centro desses exércitos irão estar dois dos persongens do livro, um ex-coronel enfraquecido que sobreviveu ao colapso do abrigo nuclear privado que tutelava, e o seu braço direito, um miúdo psicopata que se delicia na sua visão do mundo como um jogo de cavalaria medieval.
Mas há esperança. Uma lampeja nas ruínas de Nova Iorque, onde uma sem-abrigo demente se transforma ao descobrir por entre os destroços um artefacto que lhe confere visões, quer assustadoras quer de um futuro melhor. Outra resiste numa jovem rapariga que tem o dom de fazer a natureza crescer. O périplo pela devastação é inevitável, com inúmeras e terríveis peripécias, até à catastrófica colisão final. E como poderá o autor encerrar uma história de destruição total onde sociopatas controlados por demónios se querem apropriar do lampejo de vida trazido pela jovem e pelo artefacto, capaz até de libertar os contaminados das pústulas que lhes escondem as faces reais? Com um círculo quase completo, com nova viagem a uma instalação militar secreta onde o sobrevivente presidente americano quer soltar as armas atómicas que lhe restam no espaço e mergulhar a terra num verdadeiro juízo final.
Swan Song é ficção de terror pop dos anos 80 no seu melhor. Operático e exagerado, conta-se saltitando entre pontos de vista na primeira pessoa de personagens-chave da narrativa. Todo o périplo pela devastação pós-apocalíptica parece arrastar-se, mas funciona em crescendo até ao desenlace final. E o princípio do livro é um delírio apocalíptico.