Headache: A TOR anda a ganhar muito justamente a fama de melhor e-zine de ficção científica e fantástico da actualidade. Não é por acaso que nos Hugo deste ano não só o conto vencedor saiu deste site, como boa parte das nomeações para conto e novella. O cuidado na curadoria editorial é elevado, o que resulta numa grande diversidade de estilos literários que desbravam as fronteiras ficcionais do género. E também nos dá supresas destas, como a tradução de um conto de Cortázar, que pela primeira vez deu a conhecer aos leitores anglófonos um dos mais obsessivos e surreais contos daquele que foi o outro grande escritor argentino do fantástico literário. Headache, Cefalea no original, mergulha-nos num mundo onírico onde uma inexplicável dor provoca males de estar num narrador que habita um espaço entre o irreal e o tangível. No aviário das delicadas mancúspias, animais frágeis aos quais uma falha de precisão pode provocar devastadoras fatalidades, o cérebro é acometido por dores lancinantes enquanto o quotidiano se recusa a prosseguir em eixos previsíveis.
Scheherazade: Uma incursão de banalidade intrigante vinda de um escritor que nos habituou a analisar à lupa e descobrir o imprevisível encerrado no aparentemente predizível. Um homem solitário tem como único contacto com o mundo uma enfermeira de meia idade que rotineiramente lhe trás comida, leituras e ainda presta de forma muito cirúrgica serviços sexuais, que não se chega a perceber se fazem parte da gama de serviços prestados ou são uma concessão sensual da mulher. A relação é solta e mecanizada, não há amores ou paixões envolvidos em infidelidades casuais. O que realmente fascina o homem são as histórias que a enfermeira, qual Sheherezade das mil e uma noites, conta após o acto mecanizado. Estas são as janelas que a mulher vai abrindo para o seu interior, revelando uma curiosa irreverência onírica. O conforto da solidão colide com as dimensões inesperadas dos outros com que nos cruzamos neste conto de Haruki Murakami.