quarta-feira, 17 de setembro de 2014

The Motion Demon


Stefan Grabinski (2005). The Motion Demon. Ashcroft: Ash-Tree Press.

Há uma intrigante mistura de classicismo e modernidade nestes contos de Stefan Grabinski originalmente coligidos em 1919. O oculto, o sobrenatural, o irreal e o estranho coexistem com a modernidade da velocidade e da tecnologia. O combóio é o fio condutor destes contos, onde a ferrovia é envolta numa atmosfera exacerbada de profunda estranheza. Os personagens são meras peças destinada a cumprir o fio narrativo, como peões nas mãos de um xadrezista determinado. A prosa é pesada, sem floreados, e apesar de serem histórias curas as linhas narrativas são pouco lineares. Os primeiros parágrafos causam impressões que são levadas em direcções inesperadas pelo escritor.

Escritor obscuro, Grabinski é considerado o Poe polaco e tem vindo a receber mais atenção graças a projectos de tradução e à publicação de um dos seus contos por Jeff e Ann Vandermeer no The Weird, uma das suas influentes e impecavelmente editadas antologias de literatura fantástica. The Motion Demon pode ser descarregado no Goodreads.

Engine Driver Grot: o fascínio pela viagem sem fim, pelo ultrapassar das fronteiras geográficas, metastatizado num maquinista de comboios que sublima o sonho perdido de construir e voar numa máquina voadora com o estender dos limites de uma viagem de longo curso de comboio. O final mortal é uma espécie de final feliz, uma vez que só a morte ardente na colisão de uma locomotiva irá libertar o maquinista.

The Wandering Train: Uma intrigante variação sobre assombrações. Há um comboio que está a arrepelar os cabelos dos maquinistas e engenheiros. Ninguém sabe de onde vem nem para onde vai, não está nas tabelas e horários, e pela velocidade com que se desloca deve ser um expresso. Os indignados funcionários do caminho de ferro suspendem a respiração quando o inevitável acontece e o comboio vagabundo colide com uma composição parada numa estação. Mas a catástrofe não chega a acontecer. O comboio desconhecido atravessa o outro como uma névoa.

The Motion Demon: Um escritor sofre de uma estranha propensão para dar consigo a centenas ou milhares de quilómetros do local onde vive. Por detrás dessa propensão está uma obsessão com a velocidade, que o leva a embarcar amnésico em comboios expresso. Numa dessas viagens, trava conversa com um empregado dos caminhos de ferro que lhe confessa o deslumbre com a corrente tecnologia ferroviária, algo repelente ao escritor, para quem o comboio apesar de ser rápido não o é o suficiente e está limitado pela obrigação de circular por um destino traçado. Acelerar e viajar sem limites é a vocação, mas os limites físicos tornam-se grilhões.

The Sloven: Há nos caminhos de ferro um revisor experiente, lendário pela ordem que impera nas suas carruagens. Onde passa não há apertões, excesso de passageiros ou desordeiros. Mas a imagem fugaz de um passageiro assombra-o. Cruzou-se pela primeira vez com ele momentos antes de um catastrófico acidente ferroviário, e agora, anos depois, volta a vê-lo na sua carruagem. Teme o pior, mas nada acontece. Só que com um revisor tão rigoroso possibilidades perdidas não são aceitáveis. Opta por enganar o sinaleiro, provocando um acidente que crê, intimamente, ser inevitável.

The Perpetual Passenger: Um homem que não é o que deseja. Humilde funcionário de tribunal durante o dia, mal termina o expediente dirige-se à estação de comboios para fazer o que realmente gosta. Viajar, viajar sem destino. O parco salário e a obrigatória normalidade obrigam-no sempre a regressar, mas o apelo dos carris nunca se desvanece.

In the Compartment: A alta velocidade, sedução, sexo, traição, morte. Os instintos primevos vêm ao de cima durante uma viagem onde um homem rico partilha um compartimento com um engenheiro ferroviário e a sua não muito bela mas curiosamente atraente esposa.

Signals: Histórias de assombrações à volta com os sistemas de comunicação ferroviário. Ao final do dia um grupo de sinaleiros junta-se para partilhar cigarros e uns dedos de conversa. Um conta como uma combinação arquetípica de sinais fez desaparecer um combóio para a quarta dimensão, suspenso no tempo até que por algum acaso a combinação se repita. O conto arrepia e intriga o grupo. Mas outro sinaleiro contra uma história ainda mais arrepiante. Parece que há anos atrás trabalhava numa estação que começou a receber sinais misteriosos sobre a iminente colisão de composições. Investigam a linha e nada, não há quaisquer combóios em rota iminente de colisão, e os funcionários da estação anterior nada sabem do que se passa. As mensagens continuam, e os técnicos da companhia passam a linha a pente fino até encontrarem uma estação sinaleira cujo operador morreu. As mãos esqueléticas do seu cadáver descomposto agarravam os manípulos operadores do sistema de sinais. Os técnicos sepultam-no e os sinais misteriosos páram. Na semana seguinte dois combóios colidem, precisamente como previsto pelas mensagens fantasmagóricas.

The Siding: Rumores de estranhas carruagens com o poder de transformar os seus incautos passageiros espalham-se durante uma conversa num comboio apinhado. Depois dessa conversa a maior parte dos passageiros sente uma inexplicável necessidade de sair na estação mais próxima, quer esta seja ou não o seu destino. Restam treze ocupantes, levados a fazer parte de uma secreta irmandade que visa mergulhar nos mistérios das linhas laterais, onde por entre os carris abandonados se ocultam segredos. Estes intrépidos passageiros dão por si a viajar por entre um vasto vazio, sabendo que no espaço real um estranho acidente parece tê-los vitimado.

Ultima Thule: Um funcionário de uma estação de montanha sente dentro de si o chamamento de algo maior. É capaz de percepcionar a escuridão que se oculta por detrás do real e sente que a sua presença no preciso lugar onde se encontra é necessaria para impedir que a escuridão transvase para a realidade.