segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Comics
Miracleman #01: A grande surpresa dos lançamentos desta semana foi a muito adiada e esperada reedição de Miracleman pelas mãos da Marvel. Adiada porque guerras de propriedade intelectual entre detentores dos direitos de autor da personagem impediram durante largos anos a reedição desta espantosa série britânica, e esperada porque fãs e conhecedores já há muito aguardavam uma nova edição e, se possível (mas talvez seja pedir demais) que Neil Gaiman a conclua. Para já este primeiro número arranca com a revisão da origem deste personagem clássico dos comics britânicos às mãos de Alan Davis, que estabelece e muito bem as bases do que se viria a tornar, com Alan Moore, numa série apocalíptica que levou aos limites o género de super-heróis. Nada mau para os anos 80, e registando a primeira combinação de ideias-chave que hoje são comuns no género, como a amoralidade dos super-seres, o questionar da realidade arquivada na memória ou o revisionismo da inocência passada. Depois de Davis, Alan Moore levou a série a píncaros de qualidade narrativa e Gaiman, mais suave, deveria tê-la concluído.
Um pormenor interessante deste primeiro número é a reedição de histórias clássicas desenhadas por Mick Anglo, criador deste clone britânico dos super-heróis americanos. Podemos sorrir com a simplicidade inocente destas vinhetas, mas ajudam a reflectir sobre o caminho qualitativo que os comics trilharam. Hoje seria impensável publicar este género de estilos gráficos e narrativas simplistas. Espera-se maior refinamento visual e complexidade literária. Outra evolução a notar é a ausência, nas vinhetas clássicas, da noção de contar de histórias com elementos visuais. Cada vinheta é uma ilustração única, com muito pouca interrelação entre as restantes. Uma ideia que hoje nos parece tão natural, como a sequência de enquadramentos como elemento narrativo, ainda estava por nascer.
Alex + Ada #03: Ando a seguir este comic discreto com muito interesse. O estilo gráfico é simples e austero, sem grande investimento da criação de um mundo visual. Já o tema é fortíssimo e remete para os medos, anseios e esperanças da robótica avançada. E intriga porque não se refugia em enredos clássico como o robot inteligente assassino que aterroriza a humanidade, a desumanização do homem que forma laços emocionais com a máquina ou o moralismo sexualizante cibernético. Antes, vai tocando nestes temas para nos obrigar a reflectir sobre a diversidade de pontos de vista sobre algo que ao mesmo tempo nos fascina e assusta.
Archer & Armstrong #17: Se há algo que caracteriza esta série é a forma como consegue manter de forma consistente um elevado nível literário. É de cair o queixo. Os arcos narrativos são por si bizarrias bem construídas ao melhor nível da boa weird fiction. Mas a qualidade das falas, o humor por vezes subtil, outras nem tanto, e a genialidade de frases aparentemente simples como "mopping the floor with you wannabe immortal slayers since Hammurabi was writing in code" é indiscutível. Precisamos de algum conhecimento sólido de história para perceber isto... porque o código de Hammurabi é considerado o primeiro código legal registado em escrita. São estas boas surpresas que dão energia a um género que vive da repetitividade do banal.
Rover Red Charlie #02: Os nossos confusos mas simpáticos amigos caninos enfrentam um perigo inusitado: bandos de gatos malévolos que contam com a credulidade canina para os atrair a armadilhas destinadas a fornecer carne fresca para as garras felinas. O que não contavam era com a coragem dos cães. Aww. Cute. E tenebroso ao mesmo tempo, porque reparem: a humanidade consumiu-se num apocalipse zombificante e os queridos animais estão à deriva num mundo que não compreendem. Apenas sabem que as regras mudaram e que o mundo é mais hostil do que sabiam. And yes, cats ARE evil.
Velvet #03: Ed Brubaker está a fazer um trabalho muito interessante com este Velvet. Recupera os pesadelos da guerra fria numa história de espionagem clássica, com um espião traído em busca de respostas e vingança, mas com um détournement intrigante. Ao contrário do que se espera nestas coisas o espião não é um homem másculo e irresistível, mas sim uma mulher de meia idade, operacional retirada do serviço activo mas ainda muito capaz de meter medo aos mais experientes agentes secretos. Este elemento disruptivo alia-se a um bom thriller de espionagem noir, assente no grafismo cuidado de Steve Epting.
The X-Files Conspiracy #01: A IDW detém o exclusivo das adaptações para comics de séries televisivas e cinematográficas que se podem já considerar clássicas. Alguém na editora teve a brilhante (ou não, esperemos para ver) ideia de fazer um crossover que mistura The X-Files, Ghostbusters, Transformers as tartarugas ninja mutantes. Só falta meterem o Justiceiro a auxiliar Fox e Mulder a caçar um alienígena chamado Alf para ser uma homenagem à cultura pop dos anos 80 e 90. Como é que os autores justificam uma premissa que unifica unversos ficcionais tão distantes e aparentemente incompatíveis? Digamos que mete o CERN, o bosão de Higgs e partículas capazes de desvanecer as barreiras entre universos paralelos. Em termos de credenciais de ficção de género é mais credível do que encontrarem-se à mesa do café.